Em sua contribuição para o Especial do Orgulho, Renato Valença, sócio do Martins Villac Advogados, conta um pouco sobre sua trajetória, e destaca os paradoxos na conjuntura brasileira acerca dos direitos e garantias para pessoas LGBT+.
“As notícias sobre reações homofóbicas, desigualdade, preconceito e violência contra pessoas LGBT+, especialmente no Brasil (país que mais mata pessoas LGBT+), me deixam transtornado e às vezes desanimam. Mas se pararmos para analisar, é possível ver que estamos caminhando. Ao longo dos últimos 30 anos, muita coisa evoluiu. Conquista de direitos, maior visibilidade na mídia, mais representatividade na política, avanços na medicina e, sobretudo, um sentimento maior de liberdade para falar sobre o assunto”, afirmou o advogado.
O Especial do Orgulho reuniu sócios de alguns dos principais escritórios brasileiros em diferentes áreas para discutir o panorama face ao Dia Internacional do Orgulho LGBT+, celebrado neste 28 de junho.
Confira a entrevista completa:
Hoje é o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. O que há para se comemorar?
Entendo que ainda há muita estrada a ser percorrida. As notícias sobre reações homofóbicas, desigualdade, preconceito e violência contra pessoas LGBT+, especialmente no Brasil (país que mais mata pessoas LGBT+), me deixam transtornado e às vezes desanimam. Mas se pararmos para analisar, é possível ver que estamos caminhando. Ao longo dos últimos 30 anos, muita coisa evoluiu. Conquista de direitos, maior visibilidade na mídia, mais representatividade na política, avanços na medicina e, sobretudo, um sentimento maior de liberdade para falar sobre o assunto. Sinto que a parcela mais consciente da sociedade tem olhado com seriedade para os desafios das pessoas LGBT+. As organizações sérias têm procurado se aparelhar para melhor compreender esses desafios e colaborar positivamente. Sim, eu sei. Sei que existe uma enorme parcela de pessoas perdidas na desinformação, ódio e preconceito. Mas precisamos dar palco às boas iniciativas e aos agentes de mudança. Tem muita gente que lutou pela comunidade e outros chegarão para novas batalhas. Sou muitas vezes criticado pelos amigos, mas procuro ter um olhar otimista sobre tudo isso.
Qual sua percepção sobre o atual panorama de direitos LGBT+?
Minha percepção é de que importantes direitos foram conquistados. Homofobia virou crime. O casamento entre pessoas de mesmo sexo foi reconhecido. Esses casais passaram a ter permissão para adotar filhos e formar família. Diversos países têm implementado leis de proteção contra discriminação em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Em diversas jurisdições já é possível mudar de nome e de gênero sem necessariamente passar por procedimento cirúrgico, em respeito à autodeterminação das pessoas trans. O tema LGBT+ tem sido introduzido nas escolas, o que ajuda na compreensão geral, disseminação da informação e normalização da diversidade. Nos anos 90, quando eu era adolescente, não havia nada disso – um jovem LGBT+ enfrentava seus desafios muitas vezes em silêncio, sem apoio e sem informação. Portanto, não tenho dúvidas de que o cenário atual é bastante positivo em relação aos direitos de pessoas LGBT+. Cada vez mais representantes políticos são LGBT+ ou, pelo menos, apoiam a causa. Isso é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e ajustada às necessidades específicas dessa comunidade. Por outro lado, existe um lado bastante sombrio em torno desse tema. Embora as leis existam, ainda vemos muita violência gratuita contra pessoas LGBT+, frente a um certo despreparo, desinformação ou desprezo por parte das autoridades. Ataques físicos e crimes de ódio continuam a ameaçar a segurança de pessoas LGBT+. Infelizmente, em certos países, ser um LGBT+ ainda é crime. Raízes profundas de certas culturas e crenças ainda assombram as pessoas LGBT+. Assim, embora tenha havido progresso significativo, o trabalho precisa continuar.
Quais foram os seus principais desafios profissionais como uma pessoa LGBT+?
Não consigo me lembrar ou identificar um desafio profissional especificamente pelo fato de ser LGBT+. Provavelmente pelo fato de eu ser homem branco cis, de comportamento mais discreto, que, de certa forma, se acomodava aos padrões e expectativas corporativas da época. Acho que, no meu caso, a orientação sexual acabou sendo pouco ou nada relevante para determinar a evolução da minha carreira. Nunca senti desigualdade no tratamento ou nas oportunidades. Talvez por um pouco de sorte de ter sempre em meu caminho pessoas que realmente não se importavam com minha vida sexual, e me enxergavam como pessoa e profissional respeitável. Por isso, diferentemente da maioria das pessoas LGBT+, posso dizer que minha orientação sexual não representou obstáculos ou criou desafios maiores em minha vida profissional. Penso, porém, que essa história seria bem diferente se eu fosse uma pessoa trans, por exemplo.
Quais são as particularidades para profissionais LGBT+ no mercado jurídico, em especial na área de M&A, na qual você é ranqueado pela Leaders League?
Olha, eu diria que a área de fusões e aquisições acaba sendo uma das menos conservadoras, com profissionais sofisticados e geralmente com mente aberta. Não vejo grandes obstáculos para um profissional atuar nessa prática simplesmente por ser gay, por exemplo. Por outro lado, penso que para uma pessoa trans, o preconceito ainda poderia ser um obstáculo. Escritórios e corporações, em geral, ainda mantêm um ambiente conservador. Historicamente, advogados tendem a ser mais formais, por uma questão da tradição, apego à conformidade, estruturas corporativas com hierarquias e ambientes formais, em que inovações acabam sendo tratadas com mais cautela. Mas também vejo algumas bancas atuando na vanguarda da diversidade para ajustar essa cultura nos escritórios. Além do mais, as novas gerações de advogados já vêm carregando um DNA diferenciado e progressista, que trará a força da necessária mudança de cultura e ajuste na percepção do conservadorismo na prática da advocacia. Há pesquisas indicando que, nos anos de 2021 e 2022, houve um crescimento de cerca de 10% na implementação de iniciativas ou programas de diversidade e inclusão em escritórios de advocacia, que incluíam a constituição de comitês específicos para elaborar, coordenar e executar políticas de diversidade e inclusão, grupos de afinidade, palestras de letramento e ações afirmativas em processos de contratação e gestão de talentos e de fornecedores.
Como o Martins Villac Advogados trata temas de diversidade? Existem políticas específicas para grupos minoritários?
Embora nós, sócios, nos conheçamos há mais de 20 anos, a constituição do Martins Villac Advogados é recente (cerca de um ano e meio). Acreditamos que as políticas de uma organização se constroem e se legitimam a partir das convicções e postura de seus líderes. O tema diversidade, desde o início, tem sido tratado com muito respeito por todos nós. Quando formamos o escritório, chegamos a receber críticas pelo fato de sermos seis homens cis, sem contar com nenhuma mulher na sociedade. Sabemos que a contribuição de sócias mulheres será incrível (e isso está em nosso radar). Mas não podemos deixar de ressaltar que, dentre os seis sócios homens, há um gay e um preto. Considero que nosso escritório traz a diversidade em sua assinatura e estamos atentos ao nosso papel, como instituição, na criação de oportunidades para minorias e contribuição para a formação de talentos. Na medida em que nosso escritório cresce, vamos notando que há muito a ser aprendido sobre a diversidade e que políticas de inclusão precisam fazer parte da nossa prática. Acreditamos que somente a educação e o letramento serão eficazes para a desconstrução de preconceitos como a LGBTfobia. É necessário um planejamento que exige um processo de ações persistentes e o exemplo deve partir da liderança. Sem apontar dedos e eleger culpados, através de iniciativas eficazes, nossa intenção é formar multiplicadores das ações de forma espontânea. É importante que o time se engaje porque entendeu a relevância e comprou a ideia. O intolerável são as falas e atitudes discriminatórias, no entanto o tom deve ser conciliatório. Acreditamos que não devemos, tão somente, contratar profissionais de grupos minorizados se não oferecermos iguais condições de aprimoramento e crescimento profissional. A contribuição que o escritório quer oferecer não se resume aos nossos colegas e colaboradores, mas é para a sociedade e para o Direito como um todo.
Confira as outras entrevistas da série:
- Anelise Doumid Damasceno, do Andrade Maia Advogados
- Silas Cardoso de Souza, sócio do VMCA Advogados
- Luciana Martorano, sócia do Campos Mello Advogados
- André Filipe Kend Tanabe, sócio do Davi Tangerino Advogados
- Lorena Borges Botelho, sócia do Peck Advogados
- Luciano Inácio de Souza, sócio do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados
- Marcel Fracarolli Nunes, sócio do Trench Rossi Watanabe Advogados