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Coluna: Rumo Logística

Alteração legislativa: força executiva e dispensa de testemunhas nos instrumentos eletrônicos

O novo artigo da coluna Rumo Logística é de autoria da Advogada Corporativo Carolina Piovezan Araújo.

Não é novidade que cada vez mais a tecnologia é utilizada no meio jurídico. Podemos notar mudanças significativas na celebração de negócios jurídicos, os quais transitaram do papel ao virtual. Inúmeros são os fatores positivos desta alteração: agilidade, segurança, confiabilidade, flexibilidade, facilidade, entre outros.

Em 2001, a Medida Provisória nº 2.200-2 confirmou a validade e veracidade dos documentos assinados de forma digital, por meio da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras, ou seja, com certificados digitais emitidos pela ICP-Brasil:

Art. 10.  Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.

1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil.

Além disso, a referida Medida Provisória também viabilizou as assinaturas em formato eletrônico, ainda que com certificados eletrônicos não emitidos pela ICP-Brasil, como, por exemplo, via plataforma Docusign ou outras equivalentes no mercado:

Art. 10.  (…). § 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Apesar de tais avanços, na prática, o uso das assinaturas digitais e eletrônicas ainda encontrava resistência por parte de alguns usuários e autoridades, o que foi amenizado com o advento da pandemia, visto que diversas pessoas, áreas, empresas e órgãos tiveram que se adaptar à realidade virtual.

No entanto, a burocracia de coletar as assinaturas de 2 (duas) testemunhas nos instrumentos jurídicos para certificar a veracidade das informações contidas e criar força de título executivo, ainda era necessária.

Ocorre que, tal dificuldade já estava sendo observada pela jurisprudência, sobretudo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Terceira Turma do referido Tribunal, no julgamento do Recurso Especial nº 1495920/DF manifestou-se no sentido de excepcionar a executividade de determinados títulos (no caso dos autos, um contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de testemunhas) em razão da nova realidade e intenso intercâmbio comercial na seara virtual.

Interessante mencionar que, até mesmo na visão do STJ, o Código Civil e Código de Processo Civil (inclusive o de 2015) não acompanharam a realidade negocial vigente, em especial, a revolução tecnológica vivenciada nos meios de celebração de negócios.

Nas palavras do Relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Corte Superior:

(…). 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados. 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.

Diante deste cenário e evidente descompasso entre a realidade e a legislação, foi publicada a lei nº 14.620, de 13 de julho de 2023, que trouxe relevante alteração na configuração dos títulos executivos extrajudiciais assinados de forma eletrônica.

O artigo 34 da nova lei adicionou o § 4º ao artigo 784 do Código de Processo Civil:

Art. 784. (…). § 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.

Com isso, os instrumentos que forem assinados através de um provedor de assinatura, como, por exemplo, via plataforma Docusign e, independentemente de terem sido firmados com certificados digitais emitidos pela ICP-Brasil, possuirão força executiva, ainda que não contemplem a assinatura de 2 (duas) testemunhas, como anteriormente exigia o Código de Processo Civil.

Assim, para os instrumentos eletrônicos, a assinatura de testemunhas está completamente dispensada, o que não acontece com os físicos. Isto só reforça os efeitos da tecnologia no ambiente jurídico e garante maior eficiência e dinamismo.

Por fim, vale ressaltar que grandes empresas estão trazendo essa evolução a seu favor com o intuito de garantir maior celeridade na assinatura de documentos jurídicos. É o caso, por exemplo, da Rumo – maior operadora logística ferroviária independente do Brasil – que já realizou as devidas adequações em seus contratos, bem como disparou comunicados internos para propagar o tema.