Ainda é comum no universo corporativo, e especialmente no setor jurídico, que o marketing seja reduzido a uma sequência de ações pontuais, quase sempre reativas, fragmentadas, superficiais e, por vezes, meramente estéticas. Vemos, com frequência, a crença de que fazer marketing é apenas manter um perfil no Instagram ativo, com frases motivacionais, datas comemorativas, imagens do escritório, um ou outro conteúdo jurídico genérico e uma tentativa insistente de apenas se mostrar “presente”.
Outros ainda associam o marketing a brindes de fim de ano, a folders institucionais, à contratação de tráfego pago ou à criação de um site. Em outras palavras, acredita-se que marketing é sobre estar visível, quando, na verdade, marketing é, e sempre foi, sobre fazer sentido. E fazer sentido não é, necessariamente, chamar atenção. É conectar propósito, estratégia, linguagem, valor e reputação de forma coerente e contínua.
O marketing não é e nunca será um departamento isolado, uma função periférica ou uma atividade secundária. Ele não existe para “tapar buracos”, nem para gerar resultados rápidos e vazios. Ele tampouco serve para tentar compensar problemas mais profundos de posicionamento, qualidade dos serviços, cultura interna ou ausência de visão estratégica.
O marketing, em sua essência mais genuína e transformadora, é a própria inteligência do negócio traduzida em ação comunicacional estratégica, conduzida de forma planejada, integrada e orientada por objetivos organizacionais claros, tanto nos fluxos internos de cultura e alinhamento quanto nas expressões externas de posicionamento e reputação institucional.
E aqui é fundamental compreender o que se dizer por “inteligência do negócio”. Não estamos falando apenas de dados, planilhas, gráficos, indicadores ou análises técnicas. Falamos de inteligência no sentido amplo, como uma consciência profunda de si mesmo, da história do escritório, das escolhas que o trouxeram até aqui, de sua cultura interna, de seu propósito de existência, da forma como deseja ser percebido e da contribuição que deseja entregar à sociedade por meio do que faz. Trata-se de conhecer a fundo o próprio negócio, os públicos com os quais se relaciona, os mercados nos quais está inserido, os diferenciais que o legitimam e os objetivos estratégicos que orientam sua atuação.
O marketing real nasce quando o escritório reconhece seu DNA e isso significa assumir com clareza e responsabilidade aquilo que se é, o que se defende, o que promete e o que entrega. Antes de qualquer ação, canal, ferramenta ou campanha, é preciso haver identidade. E identidade não é apenas o que o mercado vê é o que o escritório sustenta de forma ética, estratégica e coerente ao longo do tempo. É aí que o marketing se torna algo maior do que apenas comunicar: ele passa a ser uma linguagem viva, a ponte entre o escritório e os públicos com os quais ele se relaciona, tanto interna quanto externamente.
No caso do marketing jurídico, essa consciência é ainda mais essencial. Estamos falando de um setor altamente regulado, técnico, tradicional e, ao mesmo tempo, profundamente humano, já que lida com conflitos, direitos, inseguranças, dúvidas e decisões com impacto real na vida das pessoas e das organizações. Por isso, não há espaço para um marketing performático, baseado em promessas vazias, frases feitas ou técnicas genéricas de persuasão. O marketing jurídico precisa, antes de qualquer coisa, ser responsável com a informação que compartilha, ético na maneira como se comunica, útil para quem o consome e coerente com os valores que o escritório deseja sustentar a longo prazo.
Dizer isso é importante porque existe um grande equívoco em torno da ideia de que o marketing existe para vender. Ele não vende. Ele esclarece, educa, conecta, encanta, orienta, gera confiança e, só então, contribui para que a venda aconteça. Marketing que tenta “vender a qualquer custo” está fadado à rejeição, porque troca a consistência pela ansiedade. Marketing que foca apenas na geração de leads, na conversão rápida ou na viralização de conteúdo está pautado por métricas de vaidade que não se sustentam com o tempo. A verdadeira métrica do marketing é a construção de valor, e valor se constrói com consistência, paciência, estratégia e propósito.
Ao contrário do que muitos imaginam, o marketing não começa com o cliente. Ele começa com o escritório. É preciso primeiro olhar para dentro, compreender quem se é, onde se está, para onde se deseja ir, o que se tem a oferecer, para quem e de que maneira. Só depois desse processo de introspecção estratégica (que costumo chamar, carinhosamente, de terapia institucional) envolvendo propósito, cultura, posicionamento, diferenciação e proposta de valor, torna-se possível olhar para fora e estabelecer conexões reais com o mercado, os clientes e a sociedade.
Marketing é o meio pelo qual a identidade encontra sua forma de expressão e relação com o mundo. Isso nos leva a uma distinção fundamental: marketing não é sobre o que o escritório quer dizer. É sobre o que o público precisa escutar, entender, sentir e lembrar. Isso não significa que o marketing deva “agradar o outro” a qualquer custo, mas sim que ele deve estar orientado ao outro. Porque uma marca só é uma marca quando é percebida. E a percepção é sempre construída do lado de fora, a partir do que se entrega do lado de dentro.
Marketing é um ato de escuta, de interpretação e de tradução. Cria identidade; escuta o público; interpreta o contexto; traduz a identidade da marca em mensagens, experiências, conteúdos e relações. Isso exige sensibilidade, clareza, profundidade e responsabilidade. No ambiente jurídico, exige também compromisso com a verdade, com a técnica e com a ética.
Abandonar ideias prontas, modismos e soluções mágicas é o primeiro passo. O marketing jurídico precisa ir além do óbvio e da aparência. Posicionar a marca de forma conectada com seu propósito exige reflexão estratégica, consistência e paciência. Compreender por que o marketing começa antes do primeiro post e continua muito depois da última campanha é parte essencial do processo. E, acima de tudo, deve-se reconhecer que o marketing não é um fim em si mesmo, mas um caminho contínuo de construção de relacionamento, relevância e reputação.
*Fernanda Quintanilha Pinheiro é publicitária e jornalista, com 25 anos de experiência em marketing e comunicação corporativa. É especialista em marketing jurídico, certificada em Planejamento de Marketing pela FGV e em Global Marketing pela San Diego State University (SDSU). Foi assessora-chefe de Comunicação Corporativa e assessora de imprensa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde consolidou sua experiência em comunicação institucional e gestão de reputação. Em 2014, fundou sua primeira agência voltada ao setor jurídico e, atualmente, é sócia-fundadora e CEO da Q Comunicação, agência especializada em marketing jurídico e posicionamento estratégico para escritórios de advocacia, reconhecida pelo ranking Leaders League.


