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Coluna: Licks Attorneys

Reivindicações de produto por processo no Brasil: como obter reivindicações efetivas?

Por: Roberto Rodrigues Pinho, Luiza Cotia, Carol Golfeto, Bruna Luna

Os Tribunais de Justiça brasileiros e o INPI estão evoluindo na avaliação das reivindicações de processo. Decisões importantes em ambas as esferas jurídica e administrativa mostram como essas reivindicações podem ser eficazes para proteger produtos no país.

As Resoluções nº 124/2013 (itens 3.60 e 3.61) e a nº 169/2016 (item 4.17) do INPI estabelecem que as reivindicações de produto por processo são permitidas desde que o produto: (i) cumpra os requisitos de patenteabilidade (i.e., seja novo e inventivo, independentemente do seu processo de obtenção); e (ii) não possa ser descrito de outra forma. Atender esses requisitos pode ser um desafio.

Quanto à novidade, um técnico no assunto deve concluir que o processo resulta em um produto com uma estrutura e/ou composição diferente do produto revelado no estado da técnica. Adicionalmente, uma característica inventiva deve ser evidenciada. É esta última que geralmente permite concluir que o produto contém uma característica distinta daquela revelada no estado da técnica (por exemplo, uma estrutura interna diferente).

A Resolução nº 124/2013 exemplifica um material cujo processo de preparação inclui uma nova etapa de sinterização. O produto resultante possui maior resistência mecânica em comparação aos materiais do estado da técnica que compartilham a mesma composição, mas não é possível descrever o material per se. Neste caso, a reivindicação é nova. A Resolução nº 169/2016 fornece outro exemplo aceitável: um copo de vidro produzido por um processo X compreendendo uma etapa de tratamento térmico a uma determinada temperatura não descrita no estado da técnica, no qual o copo de vidro apresenta maior resistência à quebra em relação ao do estado da técnica. Isso indica que o vidro reivindicado tem uma microestrutura diferente devido ao processo de fabricação diferente.

Um caso raro e bem-sucedido relacionado a reivindicações de produto por processo no campo da biotecnologia é a patente PI0815946-7, cujas reivindicações estão parcialmente transcritas abaixo:

  1. Artigo de fabricação, caracterizado pelo fato de que compreende um material de embalagem que compreende um rótulo para uso no tratamento de isquemia, o referido material de embalagem embalando uma quantidade farmaceuticamente eficaz de células placentárias aderentes, em que pelo menos 10% das referidas células aderentes estão em uma fase proliferativa, em que as referidas células são propagadas utilizando uma cultura tridimensional (3D), e em que as condições de cultivo da referida cultura tridimensional compreendem um material aderente que é poliestireno.
  2. Artigo de fabricação de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que a referida cultura tridimensional (3D) é efetuada em um biorreator 3D.
  3. Artigo de fabricação de acordo com a reivindicação 1 ou 2, caracterizado pelo fato de que a cultura das referidas células na referida cultura 3D é efetuada sob perfusão.
  4. Artigo de fabricação de acordo com a reivindicação 3, caracterizado pelo fato de que a referida taxa de perfusão é ajustada com o intuito de manter uma concentração de glicose constante no meio da cultura.
  5. Artigo de fabricação de acordo com a reivindicação 4, caracterizado pelo fato de que a referida concentração de glicose constante é 550 mg/L ± 50 mg/L.

(…)

Durante o procedimento de exame, a fim de superar as objeções do INPI relacionadas à caracterização do produto pelo seu processo de obtenção, a titular da patente demonstrou que: (i) era impossível definir o produto reivindicado de qualquer outra forma, uma vez que as células não podiam ser claramente distinguidas das células expandidas em 2D por meio de suas características estruturais, devido ao overlap na expressão de marcadores entre as duas populações; e (ii) o modo como as células foram produzidas forneceu características terapêuticas particulares à invenção. O INPI acatou os referidos argumentos e concedeu a patente.

Outro exemplo é a patente PI0317064-0, cuja reivindicação independente de produto por processo está reproduzida abaixo.

  1. Composição para produzir uma resposta imune antitumor, caracterizada pelo fato de que compreende 102 a 1010 de uma população de células compreendendo células dendríticas que foram parcialmente amadurecidas in vitro e dimetil sulfóxido (DMSO) 10%, em que as células dendríticas parcialmente amadurecidas demonstram um fenótipo da superfície da célula consistindo em uma expressão de regulagem ascendente de CD80, CD86 e/ou CD54 quando comparadas com células dendríticas imaturas, um perfil de citocina demonstrando a produção de TNF- α, IL-6, IL-10 e/ou IL-12 e em que a célula dendrítica parcialmente amadurecida pode absorver e processar antígeno, em que a indução da maturação é realizada com os agentes de amadurecimento Bacilo Calmette Guerin (BCG) inativado e interferon-gama (IFNγ), e é realizada em um período de tempo de 4, 8 ou 24 horas.

(…)

A Coordenação-Geral de Recursos e Processos Administrativos de Nulidade do INPI concluiu que “Reivindicações de produto definidas em termos de processo são redações de exceção para os casos em que o produto não possa ser descrito de outra forma (ver item 3.60 da Resolução nº 124/2013). Esse parece ser o caso do presente pedido. Se o processo for excluído da reivindicação, a caracterização somente pelas características fenotípicas vai restar imprecisa. Dito isto, entende-se que o processo, incluindo os agentes e o tempo de exposição aos agentes são características essenciais das células que precisam constar na redação das reivindicações”.

Vale ressaltar que, nos casos em que o INPI não aceitar uma reivindicação de produto por processo, a Resolução nº 93/2013 prevê outra exceção que pode permitir ao requerente buscar a proteção para o processo. Embora mudanças na categoria de reivindicação geralmente não sejam aceitas durante o exame substantivo, uma reivindicação que originalmente definia um produto por seu processo de obtenção pode ser reformulada para definir o processo. Em outras palavras, uma reivindicação de produto por processo pode ser reescrita como uma reivindicação de processo.

Em vista de todo o exposto acima, para requerentes que buscam obter reivindicações de produto por processo no Brasil, pode ser necessário apresentar evidências adicionais durante o exame, incluindo experimento(s) e declaração(ões), atestando que o processo resulta em um produto com estrutura e/ou composição diferente daquele do estado da técnica e que apresenta atividade inventiva, além de mostrar que não é possível definir o produto por outro meio.