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Disputas

‘O mercado está bastante mais sofisticado’

Fernando Gentil e Pedro Vicentini, sócios do GVBG Advogados, falam sobre o mercado de ativos judiciais e as perspectivas jurídicas e econômicas para a prática

“É um mercado que sempre existiu. Talvez sem um nome sofisticado, sem ter tanto player organizado, mas sempre existiu.” A leitura de Pedro Vicentini, sócio do GVBG Advogados, resume um pouco sobre o processo de amadurecimento da prática de precificação e compra de ativos judiciais. O tema será apresentado na 5ª edição do FILASA, que acontece no próximo dia 18 de junho. Nesta entrevista, ele e seu sócio Fernando Gentil falam sobre os avanços, idiossincrasias e perspectivas dos legal claims e special situations como um todo.

 

Leia a entrevista completa:

Quais são os desafios envolvidos na precificação de ativos judiciais?

Fernando Gentil: Existem diferentes desafios que circundam ativos judiciais. Podemos falar de precatórios, de discussão de ações públicas, ou mesmo um crédito privado. Pode ter uma discussão que está em curso, então você tem ainda o risco da decisão, ou simplesmente o trânsito em julgado, como no caso de um precatório, e você só está com a questão temporal.

Nosso trabalho para apoiar clientes que olham e compram créditos envolve desde a possível análise do ativo em si – uma ação judicial ou uma arbitragem, olhar e fazer o assessment próprio da qualidade, dos riscos associados e fazer um prognóstico em relação ao ativo. Um segundo ponto é se tem alguma questão temporal associada, como num precatório, se é da união, qual o schedule de pagamento. E quando a gente fala disso, a gente trem institutos muito importantes de proteção a credores. É um trabalho de auditoria que fazemos para certificar se há risco de uma alegação de fraude contra credores, se há credores ou uma execução antecedente, se isso pode colocar em risco a execução pelo nosso cliente.

Precisamos entender algumas nuances possíveis: a qualidade do ativo, a qualidade do cedente, o possível detentor daquele direito creditório para analisar se ele tem outros credores que poderiam alegar uma fraude. E tem uma situação importante de ver a cadeia de eventuais cessões anteriores. Fazemos análise de poderes para ter certeza de que quem negociou – seja lá atrás, ou quem está negociando potencialmente agora – tem os direitos e é a pessoa correta para de fato fazer as tratativas desse ativo que está sendo discutido.

Tudo isso para dizer que a nossa atuação enquanto prestador de serviço jurídico, com as limitações profissionais que nós nos colocamos para não ter conflito com os nossos clientes, não envolve objetivamente a precificação desse ativo. Nós ajudamos na inteligência da qualidade dos riscos do ativo e do cedente. Tudo isso está ligado mais a auditoria, seja do ativo, do cedente, das cadeias de poderes, das cessões. É um trabalho analítico.

 

Como a legislação brasileira influencia a abordagem em relação a ativos judiciais? Nós percebemos, por exemplo, um amadurecimento no âmbito dos fundos de litigation finance. Como é também a relação de vocês com estas casas?

Fernando: Aqui no Brasil nós brincamos que até o passado é incerto. Há uma série de inseguranças toda vez que é preciso mexer com o judiciário: a qualidade das decisões, as demoras, a insegurança que é colocada, e muitas vezes a gente tem interferências no processo que são no mínimo estranhas. Para exemplificar, quando a gente vem para teses muito grandes e que, por exemplo impactam o erário da União ou de um governo estadual ou municipal, pode ser que isso tenha uma interferência política, não só jurídica. E o STF pode olhar para o impacto econômico daquelas decisões.

Quando você vem para decisões menores, entre particulares, isso é menos importante, porque não tem esses outros valores que são levados em consideração pelos tribunais, ministros e juízes ao decidirem essa causa.

Vindo para os fundos de litigation finance, cada qual com suas teses e mandatos, aversão e apetite a risco, é justamente por conta dessa história: “isso aqui já transcende o jurídico, começa a vir para uma esfera política, são questões que a gente não tem apetite, porque começa a ficar quase binário, e a gente não topa risco binário”. Tem muitos que só topam risco de dinheiro no tempo: “é só uma questão de tempo para a gente receber”.

Pedro Vicentini: Mesmo assim isso falha, porque eventualmente surge alguma decisão de algum governo de não pagar um precatório, de postergar alguma situação, o que também muitas vezes acaba dificultando a previsibilidade de algo que todos entendiam como certo.

 

Como vocês veem o amadurecimento do mercado brasileiro em investimentos e transações em ativos judiciais e special situations?

Pedro: É um mercado que sempre existiu. Talvez sem um nome sofisticado, sem ter tanto player organizado, mas sempre existiu. O aparecimento desses fundos, da possibilidade de um investidor conseguir ter acesso a esses fundos, é o sinal talvez mais claro do amadurecimento desse mercado. Óbvio, sempre tem espaço para se desenvolver, melhorar e ter mais previsibilidade. Isso também passa por uma questão institucional, legislativa; não tem nenhum regramento próprio desse mercado. Ou seja, existe espaço para trazer mais segurança, mas acho que está caminhando muito bem. E em momentos de crise ele ganha ainda mais protagonismo. Nesses momentos de crise surgem essas oportunidades de esses fundos adquirirem essas carteiras e trabalharem melhor, porque para os bancos não tem nem economicamente sentido. Então é um mercado que está cada vez mais desenvolvido.

Fernando: Hoje tem uma organização maior, mais players institucionais importantes, inclusive estrangeiros relevantes que também respeitam a prática de mercado brasileiro. Quando a gente pensa nesses players, tem um desenvolvimento, um amadurecimento de mercado que é muito bom. Existem desafios para esses players, como você se coloca, posiciona, precifica, pois tudo tem a ver com risco e tempo. Mas de uma maneira geral o mercado está bastante mais sofisticado.

 

Em termos de estratégias jurídicas, quais são os principais pontos de atenção na assessoria aos clientes, neste tipo de transação?

Pedro: O principal desafio é identificar o que está em jogo na disputa, ter uma situação clara, se já tem uma decisão em Tribunal Superior, se é uma questão constitucional ou não, se pode ou não chegar no Supremo. Tem que fazer uma série de análises para tentar prever o resultado daquilo com base em última instância quem é que vai julgar. Varia muito do estágio do processo, em que momento esse player está adquirindo esse crédito. É em primeira instância? Já tem uma sentença ou não? Já tem uma decisão em segunda instância? Está sujeita a algum recurso? Vai rever o mérito ou não? Tem todo esse trabalho de se situar e identificar ali o que realmente está em jogo.

Migrando para análise do cedente, de quem está vendendo esse crédito, aqui o desafio todo é você ter todas as informações necessárias para você fazer esse assessment. Quem é essa pessoa? Quantos processos ele tem? Tem dívidas ou não? É você ter uma fotografia muito clara de quem é a pessoa e do que ela tem de passivo.

Fernando: É importante separar um aspecto: quando falamos de special situations, é um campo extremamente amplo, e não necessariamente comum a todos. Essa explicação se situa muito na questão de Legal Claims. Está no campo de special situations, mas special situations é muito maior que isso. A questão do cedente ou de uma contraparte, quando falarmos de uma negociação de special situations, sempre vai ter essa análise cedente. Precisamos entender credores antecedentes para riscos de fraude a credor, fraude a execução, isso a gente sempre acaba analisando. Isso em todas as esferas, com foco grande no Cível, mas também trabalhista, fiscal e outras áreas.

 

Quais são as perspectivas para esta área de prática se olharmos para um próximo ano?

Fernando: Essa é uma área muito promissora, e seguirá sendo, por diferentes razões. Aqui no Brasil, sabemos que tem uma concentração bancária muito grande, então tem grandes instituições financeiras na concentração da concessão de crédito. Você vem com esses players para suprir essa lacuna para pessoas com estruturas e necessidades diferentes, tickets menores, que as grandes instituições financeiras não têm a predisposição, a vontade e as condições comerciais para oferecer.

As razões pela qual você pode estar de alguma maneira envolvido em uma estrutura de special situations com esses playrers são diversas. Geralmente são casas com perfis mais arrojados, que gostam de olhar com mais profundidade, fazem estruturas mais tailor made, que conseguem de fato buscar a especificidade e a necessidade daquele caso e daquele cliente. Não necessariamente é a mais barata, porque têm um trabalho muito mais complexo, mas muitas vezes conseguem atender pessoas que estão desatendidas, desamparadas por grandes instituições financeiras, por uma turma que não olha, que não têm esse apetite ao risco para uma situação como aquela.

Pedro: Boa parte dos special situations estão relacionados a algum tipo de legal claim, não exclusivamente, mas o Brasil também é um pais que litiga muito. Mesmo numa arbitragem, eventualmente ela vai acabar no judiciário. Então é da natureza que haja muita oportunidade surgindo todo dia. O que acaba sendo um fator de trazer mais gente, mais negócio, porque está todo dia surgindo muito litígio e muito potencial de caso que pode ser tratado dentro do espectro de special situacions.