De fundador sem clientes a líder de um dos escritórios mais inovadores do país, Luís Felipe Baptista Luz construiu o b/luz sob a mesma lógica que hoje defende como essência da profissão: visão empresarial, multidisciplinaridade e coragem para romper modelos tradicionais. Em um setor em rápida transformação, ele explica por que acredita que a grande inovação dos escritórios está menos na tecnologia e mais na mentalidade — e revela a aprendizagem que mudou sua forma de liderar: “liderar é servir”.
Confira a entrevista na íntegra:
O b/luz sempre foi um escritório referência em inovação e tecnologia. Na sua visão, o que significa inovar dentro de um escritório de advocacia já consolidado?
Bom, a advocacia é uma profissão antiga. Durante muito tempo, os escritórios simplesmente foram associação de advogados que acabavam se reunindo para dividir despesas e compartilhar clientes que tinham demandas comuns. Mas era muito longe do conceito de uma empresa. Muito longe de ter um propósito único. Muito longe de ter uma visão de longo prazo. E muito menos de legado, porque as pessoas estavam ali enquanto elas estavam ali.
Acho que uma inovação muito importante dentro de um escritório de advocacia é você transformar o conceito de algo que é uma associação ou uma cooperativa de advogados em realmente uma empresa.
Uma atividade que tem um propósito de longo prazo, que pensa em legado, que pensa em sucessão, que pensa em gestão profissionalizada; ou seja, que tem todos os olhares para temas que normalmente funcionam bem em empresas e que não são tão comuns em escritórios de advocacia. Então acho que esse é o principal pilar de inovação: você profissionalizar, você trazer uma mentalidade empresarial, você construir marca e você deixar legado.
Agora, a gente aqui, como você falou, fez isso também com um olhar para a inovação stricto sensu. Então, além de olhar para a transformação da entidade e pensar em longo prazo, pensar em legado, a gente sempre fez isso olhando muito para o desenvolvimento tecnológico, para novas formas de prestar o serviço jurídico, para uma característica multidisciplinar daquilo que a gente faz, para se aproximar de outros profissionais que são complementares e às vezes necessários para a gente entregar uma boa solução para os clientes.
Então, nesse sentido, também tem uma inovação muito importante — mais em stricto sensu — que é a transformação da forma como a gente entrega o serviço jurídico. E aí tem tecnologia envolvida, mas não é só isso: tem mudança de processos, tem características multidisciplinares, tem pensar a solução que o cliente precisa como algo maior do que uma entrega de um contrato, uma entrega de um ato societário, entrega de um parecer, ou de uma defesa, ou de uma peça judicial. Pensar realmente em como aquilo interage com os negócios do cliente e o que ele quer.
Olhando para a sua trajetória — você equilibrou por muito tempo o papel de empreendedor, advogado técnico e gestor — o que você aprendeu sobre liderança nesse processo, fazendo o equilíbrio dessas funções?
Primeiro, aprendi que não funciona fazer tudo isso ao mesmo tempo, porque são trabalhos que requerem dedicação integral. Então, o que a gente fica fazendo é lidando com urgências, com emergências. Essas três frentes têm emergências o tempo inteiro e, aí, a gente acaba se dedicando a apagar os incêndios do dia a dia e não consegue — a gente até consegue planejar — mas não consegue executar o plano de longo prazo.
Durante algum tempo, é bastante construtivo ocupar as três posições; idealmente teria uma rotação: a gente faz um pouquinho de uma, depois um pouquinho da outra, um pouquinho da outra, um de cada vez. No meu caso, realmente foram concomitantes, mas, de qualquer maneira, teve bastante aprendizado.
Uma coisa importante é que cada uma dessas frentes contribui para a outra — em termos de conhecimento, em termos de visão e até em termos de cobertura. Muitas vezes, mesmo na advocacia técnica, ter uma visão empreendedora e de negócios ajuda muito a entender e antecipar os problemas do cliente. O cliente não quer um profissional que é um especialista, mas desconectado da realidade dele. Ele quer alguém que não dependa de ele fazer as perguntas certas; alguém que saiba ajudá-lo, inclusive, a formular as dúvidas. Para isso, você precisa ter um pouco desse outro lado de empreender: estar na cadeira de alguém que enfrenta desafios burocráticos, que precisa negociar, que sabe o quanto as coisas impactam os seus negócios.
E uma coisa muito importante é gestão de risco. O técnico especialista tipicamente é muito avesso a risco — a função do especialista é evitar o risco. Isso funciona bem se você é um parecerista, alguém numa posição muito protegida, com um escopo de atuação muito específico, muito restrito e delimitado. Quando você acompanha um cliente na jornada do cliente, como parceiro de negócios, ele espera mais do que isso: espera que você entenda que existem situações em que o risco é necessário. Não existe cenário ideal, isento de risco. Ele espera que você o ajude a administrar e a fazer a gestão do risco.
Hoje em dia, acho que as coisas já estão caminhando nesse sentido. Os departamentos jurídicos, os diretores jurídicos costumam dizer que essa tem sido a tônica da relação com seus clientes internos: não é mais “me diga não”, mas “me diga como”.
Então, para mim, essa jornada tripartite teve esse condão de me ajudar a entender melhor os meus clientes e ser um parceiro melhor para eles.
Em termos de liderança — como isso se reflete — primeiro, convivendo com muitos líderes você se torna um líder melhor, especialmente convivendo com líderes em momentos de crise. Como advogados, a gente acaba acompanhando momentos de crise e começa a ver como pessoas lidam bem ou mal nessas situações. Das duas formas a gente aprende — tanto com quem lida mal quanto com quem lida bem. É um aprendizado mais efetivo do que teoria, curso ou MBA, porque você vê na prática como pessoas diferentes lidam com crises reais.
Outra coisa importante que eu aprendi é que liderança tem uma característica de serviço que não é óbvia quando você assume um posto de liderança. No início eu achava que liderar era guiar, puxar, cobrar, exigir — e, óbvio, tem um pouco disso — mas, mais forte do que isso, é o serviço. Você, como líder, presta um serviço muito importante para a equipe: tirar das pessoas esse nível de responsabilidade por coisas que acontecem na organização de forma geral. Se todo mundo se ocupar desses problemas que afetam a organização como um todo — e todo mundo tende a querer, especialmente quando aquilo passa pela sua área, divisão ou equipe — as coisas se tornam muito improdutivas.
Então, o líder está ali também para cumprir essa função de trazer para si os problemas e tratá-los de forma convergente com o propósito empresarial, com a visão de longo prazo, com o legado. Essa jornada me permitiu aprender que liderar é servir. Quando você entende que é um serviço que tem que prestar, às vezes fica até mais à vontade para ser um pouco mais duro, porque você está ali para servir aquelas pessoas como grupo.
Essa foi uma aprendizagem muito importante para mim, que veio dessa passagem por tantas funções ou contatos com experiências diferentes.
Quais são os principais desafios e tendências que vão surgir na advocacia nos próximos cinco anos? E como o b/luz está se preparando para elas?
O grande desafio dos próximos anos — nem acho que são cinco anos, são dois, cada vez menor — é a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, e a forma como os clientes, o mercado, têm mudado a visão sobre o papel dos advogados.
Tem uma evolução muito grande nos últimos 30 anos. Quando me formei, lembro que o papel do advogado era quase intocável: não havia outra forma de o cliente resolver problemas jurídicos. Ele precisava de advogado — podia escolher qual, mas precisava de algum advogado. As coisas foram mudando muito. Primeiro, internet, buscadores, sites em geral; muita informação disponível, muito modelo. Os clientes começaram a usar isso para confrontar o que os próprios advogados faziam, mudando a percepção de valor.
Além disso, tivemos um crescimento muito grande do número de advogados — praticamente 1,5 milhão. Houve competição muito grande que, conjugada com a evolução tecnológica, colocou pressão forte sobre o serviço e sobre o preço dos honorários. É um mercado que eu diria que não aumentou de tamanho, mas passou a ter muito mais profissionais e, ao mesmo tempo, agora com a tecnologia abocanhando um pedaço disso.
A maior transformação foi agora, nesses últimos dois — talvez três — anos: inteligência artificial, em que as pessoas conseguem interagir como se fosse um ser humano, com respostas imediatas de boa qualidade; e a qualidade só melhora. É difícil alguém que não tenha pedido para alguma ferramenta de IA fazer um contrato, revisar um contrato, fazer uma defesa, orientar sobre as leis. Todo mundo. Surge um competidor novo, muito barato, muito rápido, com conhecimento transversal.
Para mim, esse é obviamente o grande desafio dos próximos anos — e uma oportunidade ao mesmo tempo. É uma oportunidade para os advogados se transformarem e transformarem a forma como se relacionam com o direito. Hoje, 80% do que a gente fazia há 10 anos talvez tenha perdido muito valor: fazer contrato, revisar contrato, fazer peça, dizer quais leis se aplicam ao caso. Mas tem uma camada — os 20% — que talvez sejam hoje muito mais valiosos do que jamais foram: inclusive dizer aos clientes como usar melhor a tecnologia.
O que acredito que vai acontecer com quem conseguir passar por essa transformação brutal é trabalhar com a tecnologia no dia a dia — algo como engenheiros jurídicos — aplicando a tecnologia para resolver muita coisa, mas colocando uma camada de conhecimento, de interferência, de orientação de altíssimo nível; conjugado com a tecnologia, ou até ajudando a tecnologia a entregar algo melhor. Eventualmente, trabalhando até na própria tecnologia, como programadores ou desenvolvedores. Aqui, eu acho que tem uma oportunidade de fato.
Mas não é uma transformação fácil, nem vejo as pessoas ávidas em fazer; vejo muita resistência. E não acho que todo mundo vai conseguir. Vamos ter um problema, porque os advogados não são preparados para isso na faculdade. A maioria dos escritórios também ainda não entendeu a transformação e a velocidade dela — mas os clientes e o mercado já entenderam. Existe uma assimetria que vai gerar uma crise, um momento de ruptura.
O que a gente tenta fazer aqui, falando da gente especificamente, é esse movimento: fazer com que nossos advogados estejam muito próximos da tecnologia e preparados para um momento em que ela será absolutamente importante para a prestação dos serviços — essencial; talvez ela seja a prestação dos serviços. Isso passa por treinamento, aculturamento, transformação de cultura. Passa por investir em tecnologia — ter as ferramentas e instrumentos mais avançados disponíveis para a equipe.
Acho que vamos precisar passar por um momento de consolidação. Precisaremos de escritórios maiores, porque precisaremos de investimentos maiores para ter acesso às melhores tecnologias. Os escritórios pequenos simplesmente não terão capacidade de fazer os investimentos que a tecnologia exige.
Existe alguma prática ou um setor que você acredita que vai crescer exponencialmente nos próximos anos e que o mercado ainda subestima?
Eu acredito que vai ter um mercado enorme para isso que eu estou chamando de engenharia jurídica. Que vai permear diversos setores e diversos momentos da economia. Vamos ter isso talvez como um serviço para empresas de tecnologia que desenvolvem aplicações, que desenvolvem soluções de IA. Acho que existe aí uma oportunidade.
Tem muita oportunidade que vai vir junto com a regulação dessas novas tecnologias. É evidente que, com a evolução da tecnologia, evolui também a regulação — até pelos impactos sociais de que estamos falando. Então vai ter uma série de guard rails ali para dizer o que a tecnologia pode fazer e o que não pode fazer. De novo, haverá oportunidade para o advogado especializado no aspecto regulatório, e isso interessa a qualquer empresa que utilize tecnologia — para saber como parametriza e adapta o uso às novas regulações.
Acredito que, diferente do que aconteceu na nossa história de advogados, a gente não vai parar só no parecer, só na orientação técnica. Vamos ter oportunidade de entrar na parametrização das ferramentas. Então, sim: engenheiros jurídicos é o futuro.
Qual você considera ter sido o momento mais desafiador da sua carreira? E como ele permeou o que você faz até hoje como CEO aqui do escritório?
Acho que fundar o escritório — pelo ato de irresponsabilidade e inconsequência que foi — e me expor a todo tipo de aprendizado. Montamos o escritório sem cliente; não foi cisão de outro escritório. Sem equipe, sem nada, sem escritório inclusive; a gente em casa. E foi construindo tijolinho por tijolinho, um dia após o outro. Eu não tinha a menor noção do quão difícil seria — por isso digo que é um ato de irresponsabilidade, inconsequência de jovem. Mas, ao mesmo tempo, um aprendizado frequente.
Na vida profissional, tipicamente você tem mentores — ainda que não formalmente — pessoas que você admira, que te ensinam, que, em momentos difíceis, contam algo parecido que viveram e te dão uma ideia do que fazer. Quando decide montar o seu negócio sozinho, não tem. Não tem essas pessoas. Tudo é novo o tempo inteiro. É muita tentativa e erro; você aprende muito errando. A gente demora muito para fazer um monte de coisa — por isso 20 anos é muito tempo — mas, ao mesmo tempo, acho que não tem nada que eu não tenha passado aqui pelo menos uma vez. Tudo o que você pode imaginar aconteceu aqui.
É isso é bom, né? Talvez eu possa ser bom mentor de várias pessoas, porque tenho uma experiência que posso compartilhar — uma bagagem. Posso ajudar os próximos.
Se você pudesse dar um conselho para o Luis Felipe que fundou o escritório, qual seria?
Eu acho que me dei esse conselho muitas vezes; não mudaria: segue em frente. Resiliência: segue em frente. A coisa mais importante para mim sempre foi e continua sendo — porque tem desafio todo dia. E o resto… a verdade é que, se você insiste, uma hora encontra o caminho. Você acha a solução para qualquer problema. Acho que isso é o melhor para você: continuar. Seguir em frente.


