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Disputas

Valorização e precificação do advogado pelo timesheet: até quando?

A realidade de alguns escritórios é um método antigo que mostra como ainda precisamos discutir modelos mais colaborativos e atrativos aos desafios atuais. O artigo tem autoria do Samuel Bueno, sócio-conselheiro do /asbz.

Desde a sua fundação o /asbz tem o intuito de ser um novo escritório que contasse com uma visão inédita norteada em uma gestão por valores. Naquela época, muitas bancas ainda atuavam de forma contraproducente e entendíamos que era necessário um jeito diferente de trabalhar, baseado em pessoas, trazendo a agenda ESG e a inovação no centro das discussões do negócio.

Desde então, decidimos enfrentar a contramão do mercado, questionando o que ninguém até então quis mudar. Criamos um modelo baseado na colaboração, em que o intuito era (e segue sendo) trazer as melhores soluções para os nossos clientes de forma multidisciplinar entre os times. Para alcançarmos esse ideal era necessário que tivéssemos uma postura transparente, que acabou virando um dos principais atributos da nossa cultura. Abrimos o acesso a todos os nossos advogados a diversas ferramentas de gestão do negócio e precificação, passamos a não exigir nenhuma vestimenta formal e abolimos a obrigatoriedade do uso de gravata no escritório. Mudanças simples, mas percebidas pelo mercado, quando falamos de um segmento ainda tradicionalista.

Um dos passos mais disruptivos veio quando tomamos a ousada decisão de não utilizar mais o timesheet – um sistema capaz de medir a gestão de tempo – para avaliação e desenvolvimento de pessoas. É verdade que a ferramenta segue sendo importante para gestão das horas do time, avaliação de rentabilidade de certos contratos e entendimento dos recursos hora-profissional, mas aqui não o utilizamos como forma de diferenciação e bonificação dos nossos colaboradores. Para nós, o reconhecimento do sucesso profissional de cada um envolve outras variáveis que vão muito além da dedicação de tempo no trabalho, ou seja, todos os nossos movimentos societários e promoções consideram métricas individuais e coletivas, inclusive a visão dos pares e líderes para a tomada de decisão.

Por que isso é importante? Em um cenário como o atual, em que se discute a existência de bancos de horas nas empresas e nos escritórios de advocacia e em que a infelicidade por excesso de trabalho só cresce, até quando a valorização e o preço do advogado terão como único e principal fator o timesheet? Vale lembrar que em uma era pós-pandemia, a flexibilização de horas passou a ser um requisito importante no processo de contratações, dando a possibilidade para o trabalhador fazer a gestão do seu tempo, contribuindo para uma melhor relação entre a vida pessoal e profissional, em uma busca por mais qualidade de vida.

Neste tema, li um artigo muito interessante escrito pelo Jordan Furlong, um dos principais articulistas do setor jurídico. Denominado “Abolish your partners’ billable-hour requirements” (elimine as exigências da cobrança por hora dos seus sócios, em tradução livre), o autor defende que a precificação de horas dos sócios e dos associados atualmente é prejudicial, porque pode gerar consequências negativas para toda a companhia.

De maneira geral, o autor vê indícios negativos para as duas pontas dos escritórios: os líderes e os liderados. Para os associados, e aqui inclui-se o time de maneira geral, a cobrança e a meta baseada em timesheet causam enorme carga de estresse e infelicidade aos indivíduos, pela necessidade do cumprimento de horas cada vez maiores. Na outra mão, para os sócios, a cobrança via timesheet gera uma preocupação focada no indivíduo e não pautada na geração de negócio ou no crescimento dos escritórios como um todo.

Os pontos aqui são relevantes e a discussão é bem interessante, porque remete ao objetivo originário do timesheet nos escritórios de advocacia. Quando a ferramenta foi criada, o intuito era ajudar os sócios e gestores em uma tomada de decisão de negócio, seja um repasse de preço ou uma melhor destinação de recursos. Porém, a partir do momento em que esta plataforma passou a determinar a possível bonificação de alguns sócios e times, o objetivo primário desta solução passou a ter outro significado. As suas consequências negativas foram repassadas ao time de maneira geral, que acabam tendo uma preocupação subjetiva e não com o crescimento do negócio como um todo, ou o pior, com a prestação de uma boa assistência aos clientes.

Na nossa experiência aqui no /asbz, tal remodelação está no cerne do negócio porque passamos a olhar para o crescimento do time considerando métricas de gestão e não as horas dedicadas. Com isso, construímos nestes treze anos os cases no mercado e embarcamos todos os nossos 270 profissionais em uma mesma direção; é importante acreditar neste modelo de negócio e atuar como empreendedores e donos do escritório. Temos como propósito promover uma rede de relacionamentos genuínos, pois acreditamos em um ambiente de trabalho criativo e acolhedor. Investimos no desenvolvimento das pessoas, valorizando a qualidade de vida.

Isso nos gera resultados extremamente sólidos do ponto de vista de atração e captação dos talentos. Somos reconhecidos (por 4 vezes) como um dos “Lugares Incríveis para se Trabalhar” pela FIA Employee Experience com uma média de engajamento interno nas pesquisas não obrigatórias superior a 97%, refletindo o engajamento do nosso time ao nosso modelo de gestão. Isso também se manifesta em um turnover baixo e uma alta assertividade na promoção dos advogados à sociedade do escritório.

Do outro lado, nossos clientes reconhecem o benefício do nosso modelo de negócio porque utilizamos nosso conhecimento e áreas para solucionar problemas (e não para gerar novos). Temos atualmente uma carteira multidisciplinar de clientes em que conseguimos colocar duas ou mais áreas do escritório de forma colaborativa para trazer a melhor solução possível, com foco resolutivo, sem se preocupar com a quantidade de horas empregadas.

Por isso, precisamos revisitar o objetivo primário do timesheet para que ele continue sendo utilizado como uma plataforma de gestão e não como uma solução de avaliação, desenvolvimento e promoção das pessoas nos escritórios de advocacia. Precisamos encorajar o nosso time e os nossos sócios a crescerem de forma conjunta, sem que haja um modelo engessado, pautado na subjetividade ou na exploração de horas-profissional. E isso já pode ser feito, senão na próxima semana, no próximo ano.