Pessoas & Gestão

'Sucessão efetiva não é só pipeline de cargos. É pipeline de cérebros treinados para a complexidade'

Marina Marzotto Mezzetti, fundadora da Neuro(efi)ciência, explica como a neurociência pode prever e desenvolver líderes capazes de lidar com pressão, complexidade e decisões estratégicas em contextos de mudança.

Como prever quem será um bom líder no futuro? Para Marina Marzotto Mezzetti, fundadora da Neuro(efi)ciência, a resposta está menos no currículo e mais no cérebro. Usando evidências da neurociência, ela mostra por que processos de sucessão falham, quais habilidades realmente importam e como treinar a mente para tomar decisões estratégicas sob pressão.

Na sua visão, como a neurociência pode contribuir para tornar os processos de sucessão de carreira mais eficazes nas empresas?

A maioria dos processos de sucessão, na minha opinião falha porque foca em histórico e desempenho passado, e não na capacidade cerebral futura de lidar com complexidade.  A neurociência mostra que líderes eficazes ativam constantemente o córtex pré-frontal (responsável por planejamento, tomada de decisão, visão estratégica), mas também sabem regular sua relação com o sistema límbico (emoções, impulsividade), o que permite navegar sob pressão com clareza.

Mais do que isso, bons sucessores formam times complementares: com diversidade de perfis e segurança para pensar diferente. Essa integração só é possível com líderes conscientes dos próprios padrões mentais, zonas de rigidez e escolhas inconscientes de perfis similares.

Eu acredito, inclusive por já ter vivido contexto de empresa familiar, e participado dos maiores cases de sucessão do mercado do grupo Boticário, que processos de sucessão que falham geralmente pecam por avaliações superficiais de competências técnicas; o que costuma falhar sob pressão é o mental e o comportamental.

A neurociência mostra que decisões complexas, regulação emocional e pensamento estratégico não vêm prontos. Eles são instalados no cérebro com base em repetição, exposição e intencionalidade.

Quer prever o sucesso de um líder no futuro? Observe o padrão de ativação do córtex pré-frontal hoje.

Essa região amadurece lentamente e depende de três fatores:

  • Repertório emocional

  • Feedbacks consistentes

  • Ambiente com segurança psicológica

Ou seja, sucessão efetiva não é só pipeline de cargos. É pipeline de cérebros treinados para a complexidade.

Aliás, estamos finalizando uma ferramenta inédita que mapeia essas tendências cognitivas e emocionais em líderes e times. Um instrumento que responde diretamente às diretrizes da NR-1, ao identificar riscos psicossociais e apoiar o desenvolvimento contínuo da mente que pensa a cultura.

Quais habilidades cognitivas e emocionais as empresas deveriam priorizar ao identificar potenciais sucessores para cargos de liderança?

Se eu tivesse que escolher um top 3, seriam essas, e não são “soft”. São os que gosto de chamar “neurofuncionais”:

  • Flexibilidade cognitiva: capacidade de mudar de rota sem perder o propósito. Depende de foco, memória de trabalho e redes adaptativas. Treinável por exposição gradual à pressão.

  • Regulação emocional: reconhecer estados internos e redirecionar a energia antes de reagir. Liderar é também dominar a si para poder superar e resistir.

  • Comunicação integrada: expressar ideias com coerência emocional, gerando impacto e percepção de presença. Um misto de atenção plena, empatia, linguagem clara e leitura emocional refinada para influenciar todas as camadas.

Comunicação, sob a ótica da neurociência, é ponte entre o mundo interno e o externo. É ferramenta de influência legítima, sobre si e sobre o outro. Esses são os mais frequentes workshops que eu conduzo inclusive nas empresas: neurociência aplicada a comunicação – como o cérebro processa, reage, o que ativa e como redirecionar energia.

Quem comunica bem integra redes racionais e afetivas. E isso não só inspira times. Transforma culturas e resultados.

A tomada de decisão sob estresse é inevitável em cargos de liderança. Há formas de treinar o cérebro para responder melhor nesses momentos?

Sim, claro. Mas não se começa com técnica. Se começa com consciência. Líderes que decidem mal sob estresse, geralmente, nem percebem que estão sob ameaça.

Primeiro é preciso mapear:

  • Quais contextos ou pessoas disparam seus gatilhos?

  • Quais padrões mentais se repetem?

  • Que comportamento automático surge?

O nome disso é sequestro da amígdala, basicamente quando o cérebro aciona o eixo HPA, libera cortisol e desativa temporariamente o córtex pré-frontal. Resultado? Reações impulsivas, comunicação truncada, decisões apressadas.

Quer sair desse modo? Reative seu sistema racional.
Por exemplo, eu conto de trás pra frente em alemão (isso obriga meu cérebro a usar o córtex cognitivo, enviando a mensagem de que não estou em risco real). Depois, uso um comportamento alternativo, pré-definido com intenção. Nada improvisado.

Como nos negócios: você tem plano A, B e C. No comportamento, deveria ser igual. Chamo isso de reconfiguração neurofisiológica sob pressão.
E por isso criamos uma mentoria de mentalidade, onde líderes mergulham nesse autoconhecimento para perceber padrões e, com apoio, reconfigurá-los. É simples, mas não é fácil e se eu pudesse afirmar, te diria que nem 3% da alta liderança, é capaz disso.

No atual cenário de automação e IA, quais habilidades essencialmente humanas — como empatia, criatividade e tomada de decisão — se tornam mais valiosas? E o que o cérebro nos revela sobre como podemos desenvolvê-las?

Com a escalada da automação, o mais humano virou o mais raro.

Empatia, julgamento ético, presença emocional, pensamento contextual. Tudo isso depende da ativação coordenada de redes como córtex frontal, ínsula, cíngulo anterior e redes de empatia/reflexão. Essas habilidades não são espontâneas: exigem treino, exposição e segurança emocional para emergirem.

Ambientes hostis bloqueiam. Ambientes humanos provocam plasticidade.

Quanto mais as máquinas aprendem, mais teremos que ensinar o que não pode ser delegado: a arte de pensar com sensibilidade e decisão ética.

O excesso de estímulos digitais impacta diretamente na nossa capacidade de foco e produtividade. Há formas de treinar o cérebro para lidar melhor com essa hiperconectividade no ambiente de trabalho?

Foco virou ativo de risco. Cérebros hiperestimulados entram em ciclos dopaminéricos curtos, com perda de densidade sináptica em regiões como o córtex pré-frontal. Resultado? Menor criatividade, dificuldade de sustentar atenção e exaustão mental.

E sem foco, não há inovação. Só ruído.

Falo muito sobre isso no meu livro Uma Mente de Alta Performance, com estratégias práticas para restabelecer foco, intenção e descanso cerebral.

Mas o ponto central é: foco não é força de vontade. É treino neural.

Quando praticamos pausas intencionais, silenciosas e sem estímulos, (como respiração consciente, ausência de telas ou caminhadas sem celular por exemplo),  ativamos o modo default do cérebro (default mode network), uma rede essencial para consolidar memórias, integrar aprendizados e recuperar recursos cognitivos.

Essas pausas aumentam a variabilidade da frequência cardíaca, reduzem o cortisol e promovem recuperação funcional do córtex pré-frontal. Ou seja, focar exige não insistir, mas saber pausar com intenção. Faz sentido?

Estamos lançando uma campanha sobre isso inclsuive:
Menos tela. Mais conexão.

Um convite para líderes e profissionais desacelerarem e se reconectarem com o que o cérebro realmente precisa: ritmo, silêncio e espaço. Criamos até uma “caixinha da pausa” simbólica, para deixar o celular de lado e cultivar micro momentos de respiro agora para dia dos pais.

Afinal, somos o país mais ansioso do mundo, top 5 em casos de depressão, com mais de 30 milhões de brasileiros em esgotamento mental.

Isso não é sustentável. Nem saudável.