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Pessoas & Gestão

‘O poder público sempre foi parceiro da política de combate ao HIV e Aids’

Marcio Villard é coordenador-geral do Grupo Pela Vidda RJ, uma das organizações não-governamentais mais antigas no Brasil na atuação em defesa dos direitos de pessoas com HIV/Aids. Nesta entrevista, o ativista fala sobre os 35 anos da ONG, comemorados em maio deste ano, sobre os avanços na esfera pública e privada e a luta contra testagens obrigatórias nas Forças Armadas.

Como você viu a evolução da luta contra o HIV/Aids ao longo das últimas décadas?

A evolução da luta a partir dos anos 1980 se deu pela necessidade de sobrevivência e pelo ativismo das pessoas vivendo com HIV. Quem sobreviveu antes dos antirretrovirais (1996) se tornou protagonista da esperança e da solidariedade frente ao vírus, o estigma e o preconceito, que na minha experiência são piores que o HIV e Aids em si.

Nos últimos anos a luta arrefeceu no mundo, mas os casos de Aids continuam ocorrendo e por isso a luta é necessária.

E quais foram os avanços mais significativos nos direitos para pessoas com HIV/Aids?

No Brasil tivemos avanços e conquistas importantes no campo jurídico, como o impedimento da testagem compulsória para contratação no emprego, os benefícios previdenciários que garantiram aposentadoria antes dos antirretrovirais, benefícios assistenciais como o benefício de prestação continuada e bolsa família para quem comprova pobreza.

Um dos mais significativos até hoje foi derrubarmos todos os projetos de lei que objetivavam a criminalização pelo HIV. Mesmo não tendo uma lei específica quanto a este tema, podemos nos orgulhar de termos combatido todos os projetos que visavam a estigmatização e a criminalização de quem vive com HIV e Aids. Em 02/06/2014 tivemos a lei sancionada pela presidenta Dilma Roussef contra a discriminação de pessoas com HIV e Aids.

Em termos de garantias individuais e coletivas, o Brasil exerce um protagonismo importante, e o principal é o acesso universal a tratamento no SUS. Somos referência mundial.

Quais os principais desafios no mercado de trabalho para pessoas com HIV/Aids?

Para quem se infectou há mais de 20 anos e não tem estabilidade ou aposentadoria é muito complicado, mas quem descobre diagnóstico nos últimos anos e adere o tratamento não há motivos para não se inserir no mercado de trabalho. Existe uma parcela de pessoas com HIV que necessitam de um atendimento especializado para manter a saúde mental.

Infelizmente só as forças armadas e as de segurança pública permanecem um desafio a ser vencido tendo em vista que os editais exigem teste de HIV. É uma árdua luta que travamos há mais de 20 anos e que já conseguimos mudar a legislação em poucos estados, mas temos as forças armadas testando jovens sem consentimento. É um atraso totalmente desnecessário tendo em vista os diversos pareceres sobre o tema do viver com HIV hoje.

Neste sentido, quais os maiores pontos de atenção por parte das organizações ao tratar o tema?

Nossa experiência não vê impedimentos para as pessoas se inserirem no mercado de trabalho. Mas em nossas ações reforçamos as informações sobre vida saudável e HIV. A questão é as pessoas terem consciência do seu potencial – se não acreditarmos em nossas potencialidades, teremos de fato problemas para inclusão no mercado de trabalho formal.

E qual a sua avaliação sobre o desempenho do poder público nesta seara?

O poder público sempre foi parceiro da política de combate ao HIV e Aids. No início da epidemia foi extremamente atuante na criação de políticas. Depois que a Aids se tornou uma doença crônica devido à eficácia do tratamento, a atuação governamental começou a ficar comprometida. Em 2015 tivemos vários embates para incorporação de drogas com menor efeito colateral. E se não houver pressão, não teremos ação governamental. Se avaliarmos a estrutura do Programa Nacional criado em 1986 e a estrutura hoje no Ministério da Saúde, perdemos protagonismo, poder de decisão e principalmente orçamento para alavancar novas políticas. A área de prevenção foi a mais prejudicada na esfera pública nos últimos anos.