ESG

Filasa: Governança Corporativa em Fundos de Investimentos: Conformidade ou Estratégia?

O artigo tem autoria de Thiago Brehmer, head de Auditoria da CLA Brasil

A discussão sobre governança corporativa em fundos de investimento nunca esteve tão presente — impulsionada por avanços regulatórios, maior conscientização dos investidores e a relevância crescente de temas como ESG. No entanto, na prática, ainda há desafios significativos para transformar a governança de um processo meramente formal em um verdadeiro diferencial estratégico.

O ambiente regulatório brasileiro vem evoluindo de forma consistente. A Resolução CVM 175, por exemplo, trouxe avanços importantes ao unificar normas e reforçar a clareza de responsabilidades entre gestores, administradores e custodiante. Ainda assim, um dos pontos que merece atenção é a forma como essas diretrizes são incorporadas à cultura das organizações. Segundo a Global Investor Survey 2023, da PwC Brasil, apenas 47% dos gestores entrevistados afirmaram que a governança está plenamente integrada às decisões estratégicas dos fundos — o que evidencia uma oportunidade de amadurecimento institucional (PwC, 2023).

Nesse contexto, a governança deve ser vista não apenas como um conjunto de obrigações, mas como um pilar de proteção ao investidor, eficiência operacional e valorização da marca. Há, ainda, espaço para aprimorar a transparência de estruturas e a efetividade dos conselhos consultivos, muitas vezes subutilizados em seu potencial deliberativo. Vale lembrar que, segundo dados da própria CVM, em 2022, a maioria dos processos sancionadores envolvendo fundos decorreu de falhas no cumprimento do dever fiduciário por parte de gestores — o que reforça a importância da governança como escudo institucional.

Por outro lado, é essencial destacar que o mercado brasileiro conta com diversos exemplos de excelência. Muitos gestores têm adotado práticas robustas de governança, indo além do exigido pelas normas e desenvolvendo mecanismos internos de controle, gestão de riscos e deliberação estratégica que servem de referência. Essas experiências mostram que é possível — e desejável — fazer da governança um ativo intangível de valor, que impacta positivamente a performance no médio e longo prazo.

A auditoria independente também se consolida como um aliado fundamental nesse processo. Muito além da conformidade contábil, ela contribui para a integridade dos processos, o fortalecimento da confiança dos cotistas e a prevenção de riscos. Incorporar a auditoria como elemento estratégico da governança amplia a resiliência dos fundos e reforça seu compromisso com a transparência e a responsabilidade.

Outro ponto que merece reflexão é a cultura organizacional das gestoras. Estruturas muito concentradas, baseadas em lideranças personalistas, podem dificultar a evolução da governança. Fomentar conselhos independentes, diversidade nas instâncias decisórias e políticas claras de sucessão contribui para um ambiente mais equilibrado e sustentável. São aspectos sensíveis, mas que abrem espaço para o aperfeiçoamento da governança de forma prática e gradual.

Do lado dos investidores, também há uma oportunidade: fortalecer uma postura mais ativa na cobrança por boas práticas. Em contextos de juros elevados, é natural que o retorno seja um fator determinante nas decisões, mas isso não deve ocorrer em detrimento da estrutura e da segurança dos investimentos. Uma maior conscientização sobre a relevância da governança favorece o próprio amadurecimento do mercado.

Com um patrimônio líquido de R$ 9,2 trilhões em 2024, distribuídos entre mais de 30 mil fundos ativos, o mercado brasileiro de fundos de investimento consolida-se como um dos mais relevantes e promissores do mundo. Os dados da ANBIMA também apontam um crescimento constante na quantidade de fundos e participantes, impulsionado pela digitalização do setor, avanços na educação financeira e um ambiente regulatório em constante evolução. Esse cenário evidencia a força e o potencial do Brasil para assumir um papel ainda mais estratégico na indústria global de investimentos.

A consolidação da governança como um diferencial competitivo depende menos da rigidez normativa e mais da convicção estratégica de que transparência, responsabilidade e participação são ativos essenciais em um mercado cada vez mais sofisticado. Ao enxergar a governança como uma oportunidade — e não apenas uma obrigação — os fundos se colocam em posição de destaque para liderar uma nova etapa de desenvolvimento do setor.