- Durante a pandemia, muitos analistas diziam esperar uma “avalanche” de recuperações judiciais no Brasil. Qual sua percepção sobre isso no momento?
Embora o número de recuperações judiciais tenha aumentado a partir de 2023, o temor de quebra do mercado pela então imaginada “avalanche” não se efetivou. Vejo até mesmo que em outros momentos de instabilidade política e econômica do país, a situação das empresas já foi mais fragilizada.
- Como você enxerga a visão do mercado sobre os procedimentos da Lei de Recuperações e Falências?
A meu ver, o mercado tem tido cada vez menos preconceito com empresários que recorrem aos instrumentos de insolvência. Tratar sobre o tema tem tido menos barreiras tanto de jurídicos internos, quanto dos escritórios que assessoram as companhias. Igualmente, percebe-se melhor fluxo de negociação com instituições financeiras e entes públicos, que, até pouco tempo atrás, costumavam ser menos disponíveis para abordar estes temas.
- Quais movimentos jurídicos foram importantes neste processo de aperfeiçoamento das reestruturações no Brasil?
Sem dúvidas, a reforma da Lei 11.101/05 pela Lei 14.112/20 foi um marco importante para modificar a percepção do mercado sobre as reestruturações empresariais, especialmente pelo fato de ter propiciado a oxigenação de discussões jurídicas sobre o tema, o aperfeiçoamento da administração judicial e positivado mecanismos econômicos já consagrados pela jurisprudência, academia e pelo mercado.
- Quais instrumentos você destacaria como principais a partir destes movimentos?
Se eu puder destacar três instrumentos, diria que a Conciliação e Mediação prévia ao pedido de recuperação judicial, como meio de negociação e proteção judicial para este ambiente, a previsão expressa do financiamento da devedora com tutela do financiador em caso de alienação de bens e a mudança nos modos de liquidação de ativos na falência são instrumentos que reforçam a confiança nos mecanismos previstos em lei e na condução do mercado.
- Você vê algum instituto ou procedimento com maior potencial de gerar efeitos positivos e concretos aos agentes?
A partir dos casos que vimos acompanhando e que temos atuado no escritório, a Conciliação e Mediação Prévias (ou incidentais) a processos de recuperação, prevista no art. 20-B, da 11.101/05 tem se mostrado adequada para negociações.
Isso se dá especialmente pela possibilidade de obtenção de uma espécie de “stay period”, a suspensão de ações e execuções pelo prazo de 60 dias e o convite de credores para negociação com o devedor neste período, na esfera dos Centros de Solução de Conflitos Empresariais dos Tribunais.
- Quais os critérios para que este procedimento tenha sucesso?
Pela nossa experiência, três fatores são fundamentais para o êxito: (i) organização documental do empresário que recorre à conciliação; (ii) um ambiente colaborativo e transparente entre os representantes e respectivos procuradores e (iii) realização de sessões coletivas e individuais sobre a demanda.
A organização documental será fundamental tanto para viabilizar a concessão da tutela prevista no art. 20-B, §1º, da Lei 11.101/05 quanto para demonstrar a potencialidade de se utilizar do mecanismo da recuperação judicial (procedimento que naturalmente leva mais tempo de fiscalização do Poder Judiciário e prazo de stay period).
O ambiente de transparência e a alternância de sessões coletivas e individuais diminuirá eventuais ruídos entre credores, mas ao mesmo tempo propiciará que cada um apresente suas exigências e peculiaridades, já que ainda não se estará propriamente em um contencioso concursal. Assim, o devedor tem mais autonomia, mas, ao mesmo tempo, maior campo de visão para buscar conciliar os diversos interesses, visando conferir tratamento isonômico entre os credores.
Nesse percurso, os CEJUSCs e o magistrado competente pela tutela são fundamentais para o sucesso da negociação, pois são agentes fundamentais na criação e estabilidade do ambiente de negociação durante esse prazo e, ao fim, para, sendo o caso, homologar os acordos entre devedor e credores.