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Coluna: Licks Attorneys

Ajuste do Prazo de Patentes no Brasil: visão geral da discussão em curso no Judiciário

Por: Roberto Rodrigues, Felipe Mesquita, Ana Luiza Calil e Brenno Telles

Desde que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2021, pela inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial (“LPI”), gerou-se, para os titulares de patentes na área de life sciences, uma incerteza acerca dos casos em que houve um atraso significativo do INPI no processo administrativo de concessão. O dispositivo declarado inconstitucional garantia ao titular um prazo de validade mínimo de 10 anos após a concessão de patentes.

Desde a decisão do STF, 48 ações judiciais foram ajuizadas, nas quais os titulares de patentes reivindicam, sob fundamentos diversos, um direito ao ajuste de prazos das suas patentes. O desdobramento de tais casos tem relevante repercussão para o setor, por abordarem a questão da ineficiência do INPI – traduzida, na prática, na demora no processamento dos pedidos de patente e no backlog.

As ações podem ser divididas em dois grupos. Para uma parcela dos titulares, o argumento é de que existe uma lacuna normativa no ordenamento jurídico brasileiro, para a aplicação do ajuste do prazo da patente. O ajuste de prazo é, no direito estrangeiro, de Patent term adjustment (“PTA”). Na visão de tais titulares, demanda-se, como solução, a aplicação pelos Tribunais brasileiros do direito estrangeiro, em conjunto a normas consuetudinárias. Tal pretensão é fundamentada no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”). Quando o ordenamento jurídico for omisso sobre determinada matéria, cabe ao juiz decidir a causa segundo “a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

Por outro lado, um segundo grupo de casos adota uma linha de argumentação diferente. Como o processo administrativo de concessão é regido pelo Direito Administrativo, aplica-se, a tais casos, a Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/1999) e outras disposições generalistas de direito público. Assim, não há uma lacuna jurídica no ordenamento. A Lei nº 9.784/1999 institui como princípio básico para a administração federal – incluindo o INPI – o princípio da eficiência, no seu art. 2º.  Em complemento, o artigo 27 da LINDB prevê um direito à compensação por prejuízos anormais derivados do processo administrativo. Eventual mora administrativa anormal do INPI, no processo de concessão, pode ser caracterizada como uma atuação ineficiente, ensejando um direito à compensação ao titular.

A mais recente decisão liminar, proferida dentre as ações, é de 11 de abril de 2023. No caso envolvendo a foi empresa farmacêutica Celgene, em ação ajuizada contra o INPI e a Anvisa¹, a tutela de urgência foi primariamente fundamentada no artigo 27 da LINDB. O juízo entendeu que pela caracterização mora administrativa prejudicial do INPI no caso, sendo tal hipótese “exposta de maneira clara, seja na Constituição (art. 37, §6º), seja no art. 27, da LINDB”².

Também restou entendido, na decisão da tutela, que a matéria posta em discussão no caso não se tratava da aplicação de prorrogação automática do prazo da patente ou de ajuste automático, em desacordo com o que foi decidido pelo STF. Trata-se de uma análise de qual seria a melhor proteção, a ser garantida pelo Poder Judiciário para resguardar os direitos da Celgene, na qualidade de titular da patente.

Na decisão menciona-se, ainda, que é comum ao Poder Judiciário apreciar casos que discutem a mora da Administração Pública. Nos casos envolvendo ajuste de prazo de patentes, a demora na condução dos procedimentos administrativos, por parte do INPI, gera prejuízo aos titulares. Tal cenário é agravado pós decisão da ADI nº 5.529 pelo STF. Assim como entendeu o douto juízo no caso Celgene, fato é que o Direito Público, no Brasil, oferece resposta adequada para a caracterização mora do INPI e o consequente direito à compensação do titular.

Outra característica que ilustra a distinção entre os grupos de casos de PTA é quanto ao cálculo do ajuste de prazo. Enquanto, no primeiro grupo, o ajuste é calculado com base em uma perspectiva generalista, no segundo, o cálculo é demonstrado considerando cada etapa do processo administrativo, levando em conta os prazos legais.

No segundo grupo, a mora do INPI é caracterizada se: (i) o INPI não cumpriu o prazo de resposta previsto em lei (seja na LPI, seja na Lei nº 9.784/1999); (ii) não havia possibilidade de ação a ser tomada pelo titular da patente; e (iii) a ANVISA não cumpriu o prazo de resposta previsto em lei, nos casos em que o art. 229-C era aplicável. Trabalha-se com o conceito de mora objetiva, já que não há subjetividade na análise, sendo o cálculo realizado a partir do que é previsto nas normas.

Quanto aos próximos capítulos da discussão jurídica, o STF irá proferir sua decisão no âmbito das reclamações constitucionais pendentes de julgamento, derivadas de processos de ajuste de prazo. Essas reclamações questionam decisões proferidas nas instâncias inferiores, sob a alegação de que o ajuste de prazo de patentes pelo Poder Judiciário viola a ADI nº 5.529.

A Primeira Turma do STF, nas Reclamações Constitucionais nº 56.378 e nº 53.181, já decidiu no sentido que haveria colisão com o que foi decidido na ADI. A Segunda Turma da Corte ainda não se pronunciou sobre o assunto. Considerando a complexidade do tema, a questão tem potencial de ser levada ao plenário do Supremo Tribunal Federal.

O resultado dessa discussão judicial é muito importante para o setor de life sciences no Brasil. O tempo médio atual para concessão de uma patente, pelo INPI, é de 6 anos e 3 meses, com base em dados oficiais analisados ​​pelo Licks Attorneys. No entanto, para algumas áreas, a demora é agravada, com média de processamento acima de 8 anos. Assim, a discussão sobre ajuste de prazo de patentes no Brasil continua relevante, em um cenário pós ADI, à permanência do cenário de demora do INPI nos processos de concessão, que se mantém acima da média mundial.

¹Processo nº 1005786-56.2022.4.01.3400. 9ª Vara Federal Cível da SJDF.

²A tutela de urgência foi deferida, do ponto de vista fático, por ter havido um reconhecimento do juízo de que a ANVISA atrasou injustificadamente o processo administrativo em 358 dias. De acordo com o revogado artigo 229-C da LPI, anteriormente, à ANVISA incumbia o exercício da anuência prévia. Foi determinada, então, a suspensão do despacho do INPI que reduziu o prazo da patente PI0315315-0. A ANVISA recorreu da referida decisão.