Do ciclismo profissional à liderança de um dos maiores escritórios full service do país, André Almeida transformou disciplina e energia esportiva em pilares de gestão. À frente do Almeida Advogados desde 2001, ele compartilha as lições do esporte, a importância da cultura e sua visão sobre a evolução da advocacia brasileira diante da inteligência artificial.
Confira a entrevista completa:
Você teve uma carreira esportiva bem intensa antes de fundar o escritório. Quais lições do esporte você leva até hoje para a advocacia e para a liderança?
Que pergunta gostosa. O esporte é muito importante, foi muito importante na minha vida e continua sendo. Eu tive a felicidade de ter sido atleta profissional e de ter disputado dois campeonatos mundiais, dois panamericanos, e de ter sido campeão brasileiro em um esporte pouco usual naquela época, que hoje ganha mais fama, que é o ciclismo — especificamente o ciclismo de estrada, com competições longas, de vários dias, exigindo volumes absurdos de treino e energia.
Dentro do ambiente esportivo, a gente aprende muito. Aprende a perder — porque a gente mais perde do que ganha —, a treinar, a ser perseverante, a fazer equipe e grupo. A gente sabe que ninguém é sozinho. São paralelos muito aplicáveis à vida corporativa.
Encerrei minha carreira ciclística em um momento em que duas coisas pesaram no meu coração: o desejo de ser advogado, e o desenvolvimento do doping no ciclismo, que era muito forte nos anos 90. Eu não queria entrar nisso. Então, saí com toda a energia da vida esportiva e coloquei essa energia no Direito — que é o que faço até hoje. Depois voltei a pedalar, faço provas e treinos novamente, adoro o que faço. É um esporte que me tranquiliza bastante.
Todo escritório nasce de uma inquietação. Qual era a sua quando decidiu criar o Almeida Advogados, e como essa inquietação se transformou em um projeto nacional?
Eu tinha muita energia e sempre fui uma pessoa sólida nos lugares por onde passei. Não transitei muito entre escritórios — tive um estágio que se transformou em outro, e depois em uma carreira. Sempre tive o sonho de ter meu próprio escritório, e achei que era o momento certo. Hoje vejo que era muito jovem, mas foi a escolha que fiz. Abri o escritório no dia 1º de março de 2001.
Avisei o meu antigo escritório com seis meses de antecedência, deixei claro que era extremamente grato e que não levaria clientes nem equipe. Comecei do zero, sem ferir ninguém. Fiz o contrário do que se vê hoje no mercado. E executei o que eu conhecia: a área societária internacional. Com o tempo, atraí gente boa e mais inteligente que eu, que compôs o escritório em várias áreas. Hoje atuamos em todas as áreas do direito, com operações em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte.
Você lidera hoje um grande time de profissionais. Quais foram os principais aprendizados sobre formar lideranças e manter a cultura viva em um escritório que cresceu tanto?
A formação de liderança é algo que não acaba nunca. Não é um ciclo que se fecha — é um trabalho diário. Venho ao escritório com a missão de inspirar e ajudar pessoas a se desenvolverem. Esse olhar para as pessoas e para o crescimento interno é permanente.
Tenho muita satisfação em ver que vários sócios começaram aqui como estagiários. Isso indica estabilidade e continuidade. Liderar é gerar e aproveitar talentos. Alguns seguirão outros caminhos, e tudo bem; o importante é ser sempre um celeiro de talentos.
Sobre cultura: primeiro, é preciso saber qual é. Missão, visão e valores precisam ser firmes, enxutos e genuínos. Não basta escrever o que se gostaria que fosse — é preciso projetar e viver isso. Temos esses pilares muito presentes desde o início, e eles são nosso Norte. Na dúvida, voltamos a eles.
O Almeida Advogados é também o único membro brasileiro da Globalaw. Como essa presença global influencia a estratégia e a inovação do escritório?
A Globalaw surgiu na minha vida entre 2008 e 2010, quando grandes escritórios estrangeiros queriam vir ao Brasil. Recebi várias propostas de parcerias, mas não quis transformar o Almeida Advogados em um escritório estrangeiro. A Globalaw foi uma forma mais suave de alinhamento internacional, sem perder a independência.
Ela não impõe exclusividade — não sou obrigado a trabalhar com membros de outros países. Existe um alinhamento de interesse, e somos um dos maiores geradores e recebedores de trabalho dentro da rede, mas com autonomia. Não me arrependo de não ter me vinculado a uma marca global. Essa independência é essencial.
Você já esteve à frente de casos e negociações de grande impacto. O que aprendeu sobre coragem e responsabilidade quando o alcance do seu trabalho ultrapassava o cliente e atingia o país?
O Brasil é um país emocionante — cheio de oportunidades e muito regulado. Já lidei com casos e negociações de grande exposição, e precisei me desvincular completamente de qualquer atividade política. Muitas vezes, minhas ações judiciais pareciam ter impacto partidário, mas eu sempre preferi manter os pés no mundo jurídico e usar o Direito como norte.
E olhando para o futuro, quais serão os maiores desafios e oportunidades da advocacia nos próximos anos?
Falar de inteligência artificial já é redundante. Ela não é o futuro — é o presente. O advogado vai cada vez mais utilizá-la, e teremos dois tipos: os que a usam bem e os que não sabem utilizá-la. A falta de preparo potencializa erros, mas a genialidade também é ampliada. Os mais preparados ficarão ainda mais preparados.
Além disso, o Brasil precisa se abrir mais para o mundo. Ainda somos uma advocacia muito fechada. Isso é anacrônico e será corrigido. A internacionalização verdadeira da advocacia brasileira virá, e isso transformará o setor.
Por fim, como você enxerga a função do managing partner, muitas vezes os CEOs dos escritórios de advocacia?
É uma posição bonita, mas com pouca troca. Em outros setores há fóruns de discussão, mas no jurídico ainda são raros. Muitos managing partners não são exclusivamente gestores — e há pouca preparação para isso. No futuro, acredito que veremos managing partners que serão CEOs de verdade, sem necessariamente terem formação jurídica. A advocacia não prepara o profissional para administrar.
Eu divido meu tempo 50% como gestor e 50% como advogado. Isso me retira de muitos casos jurídicos que eu gostaria de acompanhar, mas é natural. Muitos escritórios menores sofrem com isso — managing partners que não têm formação de gestão. É um tema importante para o futuro da profissão.


