O relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que o tempo médio de tramitação de um processo judicial no Brasil passou de dois anos e sete meses, em 2021, para mais de quatro anos em 2024. O levantamento também mostra que o custo de manutenção do Poder Judiciário brasileiro chegou a cerca de R$ 116 bilhões em 2022. Em alguns estados, a duração média dos processos ultrapassa quatro anos, ampliando os impactos econômicos e operacionais para empresas.
Diante da morosidade judicial, companhias têm recorrido cada vez mais a métodos extrajudiciais digitais como alternativa para a resolução de disputas empresariais, especialmente nos setores de tecnologia, dados e inovação. Segundo Rodrigo Azevedo, diretor da Câmara de Solução de Disputas Relativas a Direito Digital (CDD-ABPI), do Centro de Soluções de Disputas da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (CSD-ABPI), o problema afeta diretamente decisões estratégicas.
“Em setores intensivos em inovação, como tecnologia, dados e economia digital, o tempo é um ativo crítico. Os ciclos de produto são curtos, os ativos são majoritariamente intangíveis e a obsolescência é rápida”, afirma. De acordo com dados do próprio CNJ, um processo judicial dura, em média, quatro anos e três meses, mas em disputas complexas que exigem perícias — comuns no ambiente tecnológico — esse prazo pode ultrapassar dez anos.
Esse descompasso entre o tempo do Judiciário e o ritmo do mercado gera insegurança jurídica e impacta investimentos. “O ciclo médio razoável para grandes inovações ou transformações estruturais costuma variar entre três e sete anos. Durante a discussão de um processo, muitas vezes aquele ciclo de inovação já foi superado por outro”, explica Azevedo. Para ele, a lentidão judicial atrasa lançamentos e inviabiliza soluções eficientes de negócio. “Velocidade, nesse contexto, equivale a efetividade.”
Esse cenário tem motivado a migração de litígios para arbitragem digital, mediação digital e outros métodos extrajudiciais online. Segundo o diretor da CDD-ABPI, a mudança é impulsionada pela busca por eficiência, previsibilidade e especialização técnica. “Os métodos extrajudiciais permitem maior controle do procedimento, confidencialidade e soluções mais alinhadas à lógica do negócio. Em muitos casos, não são apenas uma alternativa ao Judiciário, mas uma estratégia de gestão de riscos e a única via eficiente para a pacificação do conflito”, avalia.
Para atender a essa demanda, a Câmara de Solução de Disputas Relativas a Direito Digital da ABPI estruturou seus procedimentos com base em três pilares: agilidade, flexibilidade e especialização. A proposta é oferecer soluções digitais de conflitos compatíveis com a dinâmica dos ambientes online. “Imagine uma disputa sobre a licitude de um conteúdo digital. Se o procedimento for excessivamente longo, o pedido perde completamente a utilidade”, observa Azevedo.
A CDD-ABPI também prevê a possibilidade de convênios para a construção de procedimentos adaptados às especificidades de cada setor, incluindo definição de prazos, instâncias e recursos. Os casos são conduzidos por profissionais com experiência comprovada em propriedade intelectual, direito digital, proteção de dados e tecnologia, o que contribui para maior previsibilidade e qualidade técnica das decisões.
Na prática, o modelo contempla quatro modalidades de atendimento: Mediação Digital, Determinação por Perito, Arbitragem Acelerada Digital e Sistema Online de Solução de Disputas (ODR). A principal diferença em relação ao processo judicial tradicional está no tempo e no custo. Enquanto uma ação judicial pode se arrastar por anos, a arbitragem digital tem prazo estimado de conclusão em até três meses.
No aspecto financeiro, a Mediação Digital prevê taxa de administração de R$ 2 mil por parte para até três dias de procedimento, além de honorários do mediador entre R$ 600 e R$ 1,2 mil por hora. Já a Arbitragem Acelerada Digital, voltada a controvérsias de até R$ 1 milhão, tem taxa de R$ 6 mil por parte, prazo de até 90 dias e honorários dos árbitros na mesma faixa.
Segundo Azevedo, além da redução de custos diretos, os métodos extrajudiciais digitais ajudam a mitigar despesas menos visíveis do Judiciário, como desgaste reputacional, incerteza prolongada e paralisação de projetos. “A redução do tempo de resolução, a racionalização de atos processuais e a previsibilidade do procedimento impactam positivamente os custos diretos e indiretos”, afirma.
Entre os conflitos que mais têm migrado para a mediação online, arbitragem digital e sistemas de ODR estão disputas envolvendo contratos de tecnologia, licenciamento de software, proteção de dados pessoais, uso de inteligência artificial, plataformas digitais, relações entre franqueadores e franqueados, além de conflitos entre startups e investidores. Também ganham espaço controvérsias contratuais empresariais em ambientes digitais e disputas relacionadas a compliance tecnológico.
Para o diretor da CDD-ABPI, o avanço da resolução digital de disputas no Brasil não representa uma substituição do Judiciário, mas um movimento de complementariedade. “O Poder Judiciário continuará exercendo um papel central e insubstituível em situações que exigem autoridade estatal, garantia plena de direitos fundamentais e produção de efeitos erga omnes”, afirma. Ao mesmo tempo, a crescente complexidade técnica das relações econômicas exige instrumentos adicionais. “Direcionar cada tipo de controvérsia para o fórum mais adequado contribui para um sistema de justiça mais eficiente.”


