Na pílula anterior, abordamos a cronologia e as principais etapas de uma transação de M&A. Nesta pílula, explicaremos resumidamente algumas das principais estratégias nessas transações, a saber: (i) Contextualização, (ii) Processos competitivos vs. Processos não competitivos, (iii) Locked box vs. Closing accounts, e (iv) Alocação de riscos de contingências.
Contextualização
Considerando que as transações de M&A são bastante dinâmicas, é essencial avaliar e traçar as melhores estratégias logo na largada e, sempre que necessário, avaliar possíveis ajustes de rumo.
Para tanto, é necessário primeiro identificar adequadamente os objetivos da transação proposta, bem como avaliar as oportunidades e o contexto de mercado do momento.
Não há procedimento pré-estabelecido e as partes interessadas em determinado negócio possuem ampla flexibilidade para estabelecer o caminho que entendam adequado. Abaixo mencionamos algumas diferentes propostas e estratégias de transações de M&A, cada qual com suas vantagens e desvantagens sob as óticas do comprador e/ou do vendedor.
Processos competitivos vs. Processos não competitivos
Transações de M&A ocorrem de forma mais frequente em processos abertos (não competitivos). Nessa hipótese, normalmente há um único comprador ou um número restrito de interessados. Essa estratégia pode ser vantajosa em cenários em que o vendedor deseja manter maior controle e discrição sobre o processo de venda, ou quando o ativo tem um valor mais nichado, sendo menos suscetível a um processo competitivo. Havendo um número limitado de interessados, há naturalmente maior poder de barganha ao comprador, que, nesta situação, usualmente propõe as primeiras minutas dos documentos definitivos, incluindo os termos e condições que julgar apropriados.
Por outro lado, em situações em que o ativo em questão possui um apelo estratégico significativo e pode atrair interesse imediato de diversos concorrentes, mostra-se particularmente interessante ao vendedor organizar um processo competitivo de venda.
Os processos competitivos são tipicamente organizados e conduzidos pelo vendedor com o auxílio de um assessor financeiro. Nesse tipo de processo, múltiplos potenciais compradores são convidados a analisar o ativo e apresentar suas propostas. Nessas situações, também é comum que o vendedor apresente as primeiras minutas dos documentos definitivos, incluindo os termos e condições que julgar apropriados, para que os possíveis interessados já possam revisar os documentos e propor, simultaneamente com a proposta financeira, as alterações que julgar necessárias a tais minutas.
Esse tipo de processo pode gerar um ambiente de maior competição e pressão entre os possíveis interessados, podendo resultar em ofertas mais atraentes, tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista jurídico.
Nada impede, entretanto, que, no curso de um processo competitivo, algum dos possíveis interessados tente convencer o vendedor a suspender o processo competitivo, enquanto tenta negociar, de forma exclusiva, a transação. Pela ótica do comprador, é sempre recomendável ter exclusividade para negociar uma possível transação.
Locked box vs. Closing accounts
Outra decisão crítica em transações de M&A envolve a escolha entre os modelos de locked box e closing accounts. Embora o mecanismo de closing accounts seja o mais comum no Brasil, temos notado relativo crescimento nas operações que adotam o mecanismo de locked box.
Pelo sistema de locked box, é estabelecido um preço fixo, baseado em uma data específica anterior à consumação da transação, garantindo às partes uma segurança quanto à avaliação do ativo. Esse modelo oferece a vantagem de prever o valor de compra com clareza, evitando, em teoria, ajustes pós-fechamento e, consequentemente, disputas sobre o valor final da transação. Por outro lado, como o preço já está definido em data anterior, há maior preocupação do comprador em relação aos atos praticados pelo vendedor até a data de fechamento, uma vez que o vendedor não estaria, em teoria, preocupado com os sucessos e insucessos do negócio após tal data (visto que não interferiria no preço a ser recebido por ele). Nesse contexto, é fundamental que o comprador inclua as proteções contratuais necessárias para minimizar esse risco.
Por sua vez, o mecanismo de closing accounts permite que o preço de aquisição seja ajustado com base na situação financeira da empresa-alvo no dia exato do fechamento da transação. Para tanto, é tipicamente acordado que, após a consumação do negócio, novas demonstrações financeiras da empresa-alvo sejam preparadas, considerando a data-base do dia exato do fechamento da transação, para que as partes possam, então, apurar eventuais ajustes de preço levando em consideração possíveis variações de elementos financeiros – que usualmente incluem o caixa e o endividamento da empresa-alvo.
Essa abordagem, embora possa oferecer uma visão mais atualizada sobre o valor do negócio, também introduz riscos de ajustes financeiros que podem gerar discussões entre as partes, especialmente se não houver um entendimento claro sobre os parâmetros de avaliação e possíveis oscilações financeiras. Em uma pílula mais adiante, trataremos especificamente sobre preço e ajuste de preço.
Alocação de riscos de contingências
As partes de um M&A possuem total liberdade para definir a forma de alocação de riscos das contingências do negócio. Chamamos de contingências os possíveis passivos ou obrigações que podem se materializar após a consumação de uma transação, ainda que digam respeito a eventos anteriores ao fechamento.
Os formatos mais conhecidos de alocação dessas contingências são:
- Integralmente ao comprador (porteira fechada), independentemente de as contingências terem sido relevadas ou não. Nesse caso, o comprador precisa realizar um exercício mais profundo de auditoria do negócio, bem como estar confortável que o preço de compra já inclua eventual desconto pelas possíveis contingências que podem se materializar;
- ao comprador, exceto por atos não revelados pelo vendedor. Igual ao acima, no entanto, exige do vendedor que inclua o maior detalhamento possível das contingências existentes, pois ele terá de indenizar o comprador por tudo aquilo que não tiver sido devidamente relevado (e que esteja adequadamente refletido no contrato); e
- ao vendedor por atos praticados até o dia do fechamento (incluindo), ainda que os efeitos dessas contingências apenas se materializem após o fechamento; sendo o risco alocado ao comprador apenas por atos por ele praticados após o fechamento – essa forma de alocação é comumente chamada de “my watch your watch”. Esse tende a ser o formato mais usual em negócios envolvendo partes brasileiras e, em teoria, aloca os riscos de contingências conforme quem, em teoria, deu origem aos atos gerados dessas contingências.
Na prática, esses formatos acabam sendo adaptados e customizados considerando as peculiaridades de cada negócio, sendo usual que os contratos correspondentes incluam enorme detalhamento sobre as hipóteses de indenização, os prazos, os limites, as exceções e demais condições aplicáveis. Mais adiante, publicaremos novos textos informativos detalhando os principais pontos dos contratos de compra e venda de participações societárias, incluindo a cláusula de indenização que, em muitos casos, acaba sendo a parte mais complexa e discutida em transações de M&A.
Por fim, vale comentar que a escolha entre os diferentes modelos de alocação de risco deve ser cuidadosamente avaliada, levando em conta, entre outros fatores, (i) o perfil de risco das partes, (ii) a natureza do ativo envolvido e (iii) a forma de cálculo do preço de compra.
Em nossa pílula seguinte, abordaremos um pouco sobre o primeiro documento geralmente assinado em operações de M&A, que é o acordo de confidencialidade.


