Decisor Brasil Notícias Inovação & PI ‘O sonho era representar o Brasil ao redor do mundo’
Inovação & PI

‘O sonho era representar o Brasil ao redor do mundo’

Sua trajetória começou em 2009 como Financial Advisor na XP, com passagens por outras empresas como a Ghia Investimentos, mas sua paixão por esportes sempre foi presente. Quando a FURIA foi criada, você assumiu o cargo de CEO aos 29 anos. Em que momento você tomou a decisão de mudar de carreira e investir no mundo dos e-sports, que na época ainda era uma novidade?

A decisão de mudar de carreira e investir no mundo dos esports foi, na verdade, uma mistura de paixão e ousadia. Eu estava imerso no mercado financeiro, mas sempre tive uma paixão por esportes, especialmente os esports, que na época estavam começando a se tornar algo maior, mas ainda não era tão profissional no Brasil. Vi uma grande oportunidade de fazer algo diferente, de trazer para esse universo a estrutura e o profissionalismo que acreditava que estavam faltando.

Sem saber o quão difícil seria ou até mesmo se era possível, decidi dar o passo e criar a FURIA com meus sócios. A ideia era simples: fazer algo que fosse além do que o mercado estava oferecendo naquele momento, estabelecer um padrão mais elevado, com mais planejamento e uma visão clara de futuro. O sonho era representar o Brasil ao redor do mundo. Assumir o cargo de CEO aos 29 anos foi um salto grande, mas ao mesmo tempo natural, porque eu estava em busca de algo que realmente me motivasse e que desafiasse o status quo do setor.

Neste contexto, não tinha como prever todo o sucesso que viria, mas sabia que estávamos criando algo inovador. Para mim, o grande motivador sempre foi a possibilidade de fazer diferente, de mostrar que era possível levar os esports brasileiro a um novo patamar. E, olhando para trás, vejo que essa visão inicial, junto com a coragem de enfrentar o desconhecido, foi o que realmente nos impulsionou para onde estamos hoje.

Quais foram as maiores dificuldades e responsabilidades que você enfrentou ao coordenar uma organização, tanto no cenário nacional quanto na internacionalização posterior?

O esporte eletrônico é movido pela paixão dos torcedores, e quem vive essa realidade sabe o quanto isso traz responsabilidades. A FURIA é um clube com milhares de torcedores dedicados, que acompanham tudo o que acontece no nosso ecossistema. Isso, por si só, é uma grande responsabilidade, pois criamos uma identidade que precisa ser constantemente alimentada com resultados, inovação e presença.

Criar uma identidade de clube que aproximasse torcedores e comunidade foi nosso primeiro grande desafio. Estar presente nas principais modalidades e contar com grandes atletas também foi um passo essencial para nossa consolidação.

Além disso, enfrentar as dificuldades de uma empresa brasileira competindo globalmente traz desafios extras, como a taxa de câmbio, que nos coloca em uma desvantagem econômica considerável ao lidarmos com o resto do mundo. A competição também é mais acirrada, especialmente com a distância física em relação aos centros principais de treinamento e competição, como Europa e EUA. Estar longe desses hubs nos coloca um passo atrás em termos de infraestrutura e treinamentos, o que torna a nossa busca por excelência ainda mais desafiadora.

Mas, mesmo com essas barreiras, a vontade de fazer diferente e superar esses obstáculos sempre foi o que nos motivou. Sabíamos que, para ser relevante internacionalmente, precisávamos investir não só em talento, mas também em estrutura e em uma visão de longo prazo.

A organização se tornou uma das maiores do mundo no cenário de e-sports sob uma liderança considerada jovem. De que forma a idade contribuiu para esse feito em um mercado majoritariamente consumido por jovens, mas que, recentemente, também vem atraindo outros públicos — e, em alguns casos, ainda passa pelo controle dos pais?

É claro que estar mais próximo da geração que consome esse universo ajuda, mas é preciso saber lidar, gerir e atrair parceiros de forma estratégica. A FURIA sempre teve essa visão clara: ser mais do que uma organização de esports. Hoje, estamos presentes em diversos setores, como o futebol com a Kings League, no automobilismo com a Porsche Cup, e ainda estamos inseridos no universo da música, moda e cultura. A FURIA se tornou um movimento sociocultural, conectado com diversas áreas que vão além dos jogos eletrônicos.

Esse posicionamento foi fundamental para ampliar nosso alcance e reforçar a nossa relevância. A juventude sempre foi nossa base, mas a adaptação para esse cenário mais amplo trouxe oportunidades incríveis de crescimento e fortalecimento da marca. A combinação de uma liderança jovem e uma abordagem profissional tem sido a chave para garantir que a FURIA se mantenha na vanguarda, não só nos esports, mas também como uma marca inovadora e culturalmente influente.

Atualmente, muito se fala sobre a entrada da Geração Z no mercado de trabalho e a resistência que existe em relação a esse movimento. Qual é a sua visão sobre isso?

A Geração Z está, sem dúvida, em busca de um propósito maior, algo que ressoe com seus valores e com a maneira como veem o mundo. Felizmente, a FURIA se encaixa nesse tipo de propósito, pois estamos constantemente nos desafiando a ser mais do que apenas uma organização de esports. Somos um movimento, uma plataforma que gera impacto e conecta pessoas que compartilham de uma visão comum.

Apesar de ser um desafio manter essa geração engajada, especialmente em um mundo tão dinâmico e digital, quando eles se conectam profundamente com uma causa ou empresa, são capazes de fazer uma grande diferença. Na FURIA, temos diversos membros da Geração Z se destacando em áreas como conteúdo, financeiro, jurídico, marketing, RH, e muito mais. Eles não apenas trazem uma energia única, mas também uma visão moderna e inovadora que fortalece nossa cultura organizacional e nos ajuda a avançar.

Em um texto publicado por você há cinco anos, você mencionou a falta de conhecimento prático sobre o que era ter uma organização de e-sports na época. Ainda assim, conseguiram fortalecer a marca além do universo dos games, com presença em linhas de roupas, no futebol através da Kings League e em outras áreas. Olhando para trás, o que você faria de diferente?

É difícil dizer o que faria diferente, pois acredito que todos os nossos erros e acertos nos trouxeram até aqui. Cada experiência foi fundamental para o crescimento da FURIA e, de certa forma, nos moldou para ser o que somos hoje. Se tivesse que destacar algo que refleti com o tempo, seria que ter as pessoas certas é mais importante do que ter muitas pessoas. Isso é algo que eu gostaria de ter entendido mais cedo na minha jornada como empresário.

No começo, nossa equipe cresceu rapidamente, e em certos momentos achávamos que a quantidade de pessoas envolvidas era um reflexo do sucesso. Mas, com o tempo, percebi que, na verdade, o verdadeiro diferencial vem de ter as pessoas certas em posições chave, que compartilham dos mesmos valores e visão de futuro. Isso impacta diretamente na qualidade do trabalho, na entrega de resultados e na evolução contínua de uma organização.

Ainda assim, o fato de termos cometido erros ao longo do caminho também nos ensinou a importância de aprender com cada passo. Somos uma organização muito mais madura agora, e nosso aprendizado constante foi o que nos permitiu expandir nossa presença além do universo dos esports, entrando em áreas como moda, futebol e outras vertentes culturais.

Em resumo, a jornada tem sido de muito aprendizado. Hoje, mais do que nunca, acredito que a qualidade e o alinhamento das pessoas com a visão da empresa são o que realmente faz a diferença para alcançar grandes conquistas.

O mercado de e-sports já movimenta bilhões de dólares mundialmente, mas como dito, ainda sofre certo preconceito. Quais ainda são as principais oportunidades de investimento que executivos e empresas tradicionais talvez não estejam enxergando?

A dinâmica da sociedade mudou profundamente. Hoje, os jovens não consomem mais as mesmas coisas que a mesma faixa etária consumia décadas atrás. O consumo mudou, e muitas marcas tradicionais não se adaptaram a essa nova realidade. O mercado de esports é um reflexo claro desta transformação, oferecendo novas formas de engajamento e novas oportunidades de conexão com o público jovem.

Uma das maiores oportunidades que executivos e empresas tradicionais talvez ainda não estejam enxergando é como os esports e eventos mais conectados, como a Kings League, oferecem um canal direto para se conectar com essa geração. As novas formas de entretenimento que os jovens consomem são mais interativas, dinâmicas e digitais, e as marcas que não se adaptarem a essa nova forma de consumo vão acabar perdendo relevância.

Um exemplo claro disso é o jogo da FURIA FC na final da Kings League, que atraiu mais público do que o jogo do Palmeiras contra o Flamengo no Allianz Parque, no final de semana seguinte. Sem desmerecer o futebol, pelo qual sou também apaixonado, quem não entender esse movimento vai perder grandes oportunidades de se conectar com um público que está cada vez mais distante das formas tradicionais de consumo de mídia e entretenimento.

O potencial do mercado de esports é imenso, e ele vai além dos jogos. As marcas que se conectarem com essa nova geração de maneira autêntica terão a chance de não apenas ser relevantes, mas também de estar à frente de um mercado em constante expansão.

O mercado ainda apresenta zonas cinzentas em questões como contratos, transferências de jogadores, direitos de transmissão e propriedade intelectual, em grande parte devido à falta de regulamentação. Como você enxerga a evolução desse cenário?

À medida que o mercado de esports se profissionaliza, a pressão por maior transparência, segurança jurídica e regras claras também cresce. Isso é visível tanto nas organizações quanto entre jogadores, patrocinadores e plataformas. Já podemos ver movimentos importantes nesse sentido, com campeonatos e publishers adotando normas mais estruturadas e contando com a participação de profissionais especializados.

O verdadeiro desafio está em encontrar o equilíbrio entre a flexibilidade que o mercado exige e a necessidade de proteger os interesses de todos os envolvidos. Embora a regulamentação possa ajudar a trazer mais estabilidade, acredito que o mais importante é garantir um diálogo constante entre as partes – organizações, publishers, atletas e patrocinadores. Esse intercâmbio de ideias e práticas será fundamental para criar um ambiente saudável, competitivo e sustentável, no qual todos possam crescer e se beneficiar.

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