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‘O setor jurídico desempenha um papel estratégico e transversal no apoio à inovação e à governança das empresas’

Você assumiu a diretoria de Relações Governamentais da ABBIC após uma trajetória na advocacia empresarial. O que motivou essa transição?

Senti que era hora de direcionar minha experiência e energia para um propósito maior, com potencial de gerar impacto concreto no desenvolvimento do país. Encontrei na ABBIC uma convergência de valores e ideais — uma instituição conduzida por pessoas extremamente qualificadas e comprometidas com um projeto transformador, voltado ao fortalecimento de um setor estratégico para o Brasil, especialmente na área da inovação médica, onde temos a oportunidade de afirmar nossa soberania tecnológica.

O que me motivou foi justamente a identificação com a missão da ABBIC, que se dedica à promoção da inovação e da ciência como motores do progresso nacional. A vasta experiência, a visão estratégica sofisticada e o elevado comprometimento do grupo envolvido reforçaram minha convicção de que essa era a oportunidade de contribuir com algo verdadeiramente impactante para o país. Com minha bagagem em articulação institucional e jurídica, percebi que seria  possível somar esforços nessa jornada. Foi uma decisão movida por propósito, compromisso e pela crença de que a inovação tecnológica representa um dos pilares fundamentais do futuro que queremos construir para o Brasil.

Como sua experiência jurídica contribui para os desafios do novo cargo?

Acredito que a experiência jurídica proporciona uma visão holística e estruturada do ecossistema de inovação, fundamental para a formulação de estratégias com abordagens sistêmicas e integradoras. Esse olhar é essencial em um ambiente onde cada agente — seja do setor público, produtivo ou científico — desempenha um papel específico ao longo de toda a cadeia da inovação, desde a concepção tecnológica até a entrada efetiva dos produtos no mercado.

Ter clareza sobre o que fazer, onde atuar e em que momento intervir é fundamental para o bom funcionamento desse processo. O conhecimento jurídico contribui diretamente para garantir que essas ações ocorram com segurança institucional, aderência normativa e previsibilidade regulatória, promovendo um ambiente mais favorável à inovação sustentável e ao avanço tecnológico.

Em um setor altamente regulado como o da biotecnologia, quais são hoje os principais entraves regulatórios enfrentados pelas empresas do setor no Brasil?

Um dos entraves enfrentados que merece atenção é a ausência de marcos regulatórios adaptados às especificidades do processo de inovação. Hoje, as exigências regulatórias seguem, em grande parte, uma lógica voltada para produtos já consolidados, o que dificulta a introdução de tecnologias emergentes e o desenvolvimento de soluções verdadeiramente inovadoras.

Diferentemente do que ocorre em países como os Estados Unidos, onde a FDA dispõe de instrumentos como o Early Feasibility Study e o Breakthrough Devices Program, que facilitam o desenvolvimento e a avaliação de tecnologias disruptivas em fases iniciais, o Brasil ainda não conta com regulamentações equivalentes.

Essa lacuna regulatória impacta diretamente os prazos e os custos dos projetos, tornando o ambiente menos competitivo e menos atrativo para a pesquisa e o desenvolvimento de dispositivos médicos inovadores.

A adoção, por parte da ANVISA, de programas inspirados nesses modelos internacionais poderia representar um avanço significativo. Permitiria uma avaliação mais ágil, proporcional e baseada em risco para tecnologias em desenvolvimento, sem comprometer a segurança do paciente.

Isso criaria um ambiente regulatório mais favorável à inovação, ampliando o acesso a soluções sofisticadas e fortalecendo a posição do país no cenário global.

Quais estratégias a ABBIC tem adotado para fortalecer a interlocução institucional com os Três Poderes e com agências reguladoras brasileiras?

A ABBIC tem adotado uma estratégia estruturada e propositiva de articulação institucional, com foco em evidenciar o papel da inovação em saúde como vetor de desenvolvimento econômico e social. Sediados no Parque Tecnológico de São José do Rio Preto/SP — ambiente altamente propício à inovação —, temos atuado em sinergia com universidades, hospitais e empresas para fomentar o avanço da tecnologia médica no Brasil.

Essa localização estratégica permite à ABBIC não apenas acompanhar de perto o ecossistema de inovação, mas também servir como ponte entre o conhecimento científico, o setor produtivo e o poder público.

Como entidade gestora da Cadeia Produtiva Local da Saúde de São José do Rio Preto/SP, reconhecida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, a ABBIC vem desempenhando um papel ativo na formulação de propostas e articulação de políticas públicas.

Um marco importante foi a aprovação, em 2024, da proposta submetida ao Programa SP Produz, que garantiu fomento para a instalação de um moderno Laboratório de Prototipagem, Validação e Certificação de Dispositivos Médicos — uma iniciativa que obteve uma das maiores notas do programa, reforçando a credibilidade e a relevância do projeto.

A partir desse resultado, a ABBIC intensificou sua atuação junto aos Três Poderes e às agências reguladoras, com um trabalho contínuo de aproximação e sensibilização. Temos buscado levar ao conhecimento de parlamentares, gestores públicos e reguladores os avanços e as necessidades do setor, apresentando propostas concretas que dialoguem com os principais desafios tecnológicos em saúde.

Quais são as pautas prioritárias da agenda de advocacy da ABBIC para 2025 e 2026, especialmente no que diz respeito à atração de investimentos e ao ambiente de negócios?

A agenda de advocacy da ABBIC para o biênio 2025-2026 está fortemente orientada à criação de condições estruturantes para consolidar o Brasil como um polo de inovação em saúde, com destaque para duas frentes prioritárias:

a) Promoção da autossuficiência tecnológica em saúde
A ABBIC tem concentrado esforços institucionais na criação de um ambiente favorável à soberania tecnológica nacional, com foco especial na independência das empresas brasileiras em relação à infraestrutura laboratorial estrangeira. A proposta é estruturar e expandir, em território nacional, plataformas tecnológicas capazes de realizar todas as etapas do ciclo de desenvolvimento de dispositivos médicos — da prototipagem à certificação — assegurando redução de custos, maior previsibilidade regulatória e atração de investimentos estratégicos.

Essa pauta está diretamente alinhada à diretriz de fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), especialmente no âmbito dos programas PDIL (Programa de Desenvolvimento e Inovação Local) e PDCEIS (Programa para Ampliação e Modernizaçao de Infraestrutura do CEIS), do Ministério da Saúde, os quais visam incentivar a produção nacional e a articulação entre governo, setor produtivo e academia.

b) Aperfeiçoamento do marco regulatório para tecnologias disruptivas em saúde
Outra frente prioritária é o aperfeiçoamento da regulação voltada ao desenvolvimento de dispositivos médicos inovadores, com especial atenção às tecnologias de aplicação estratégica para o enfrentamento de desafios críticos da saúde pública no Brasil. A ABBIC defende a criação de normativas específicas que viabilizem estudos clínicos em fases iniciais, semelhantes ao modelo do Early Feasibility Study e ao Breakthrough Devices Program da FDA norte-americana, permitindo que o Brasil acelere a inserção de inovações no sistema de saúde com segurança e controle regulatório proporcional ao estágio da tecnologia.

 

A biotecnologia envolve temas sensíveis, como ética em pesquisa, edição genética e sustentabilidade. Como a ABBIC trabalha para equilibrar os interesses econômicos com a responsabilidade socioambiental e ética?

Como entidade gestora da Cadeia Produtiva Local da Saúde de São José do Rio Preto/SP, a ABBIC incentiva o desenvolvimento de tecnologias que atendam a demandas concretas do sistema de saúde brasileiro, com foco em soluções acessíveis, sustentáveis e de alto impacto social. Isso inclui apoio a empresas que buscam alternativas mais ecológicas em materiais e processos, bem como inovação voltada à prevenção e ao tratamento de doenças negligenciadas.

Além disso, promove a articulação entre empresas e instituições acadêmicas, estimulando que os projetos desenvolvidos no Parque Tecnológico de São José do Rio Preto/SP passem por revisões éticas apropriadas. Essa integração reforça o compromisso com a condução responsável da pesquisa científica, especialmente em áreas como terapias avançadas e dispositivos médicos implantáveis.

Como o setor jurídico pode apoiar as estratégias de inovação e governança das empresas de biotecnologia, especialmente diante das incertezas regulatórias e da rápida evolução tecnológica?

O setor jurídico desempenha um papel estratégico e transversal no apoio à inovação e à governança das empresas, especialmente em um ambiente marcado por incertezas regulatórias e constante evolução tecnológica. Em contextos como o da ABBIC, onde a atuação está voltada ao fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde e à promoção da autossuficiência tecnológica, o jurídico não apenas acompanha, mas antecipa riscos e viabiliza soluções.

Uma das principais contribuições do setor jurídico é estruturar a governança e os mecanismos de compliance necessários para que as organizações estejam juridicamente habilitadas a captar recursos, como os disponibilizados por meio de editais da FINEP, do BNDES e de programas estaduais e federais. Isso inclui a elaboração de documentos institucionais, pareceres, modelos contratuais e políticas internas que assegurem integridade, rastreabilidade e aderência às exigências legais — requisitos cada vez mais valorizados por agências financiadoras.

Além disso, exerce função essencial na análise da viabilidade jurídica de propostas visando criação, extinção ou alteração de atos normativos. Diante da urgência em adaptar o sistema regulatório brasileiro à realidade da inovação disruptiva — como a necessidade de regulamentações semelhantes ao Early Feasibility Study ou ao Breakthrough Devices Program — cabe ao setor jurídico formular fundamentos técnicos e legais que sustentem o diálogo entre a indústria e os reguladores. Esse trabalho é essencial para a construção de políticas públicas seguras e eficazes, compatíveis com os objetivos do setor.

Por fim, o setor jurídico também atua como facilitador na estruturação de parcerias público-privadas e institucionais, garantindo segurança jurídica nas relações contratuais entre empresas, ICTs, órgãos públicos e investidores. Ao integrar conhecimento regulatório, estratégico e legal, o setor jurídico se posiciona como um verdadeiro agente habilitador da inovação, contribuindo não só para mitigar riscos, mas para acelerar o desenvolvimento tecnológico de forma ética, eficiente e sustentável.

 

 

 

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