Disputas

'O setor de Ciências da Vida é um campo dinâmico e em constante evolução'

O capítulo de abertura do ranking de Life Sciences do Brazil's Best Counsel tem autoria do sócio fundador do Licks Attorneys, Eduardo Hallak, e da sócia Juliana Neves

O setor de Ciências da Vida é um campo dinâmico e em constante evolução, continuamente moldado por avanços tecnológicos e mudanças nos marcos regulatórios. Em 2024, vários eventos importantes estabeleceram o cenário para desenvolvimentos significativos, influenciando políticas públicas e impulsionando a inovação. Esses marcos certamente impactarão a direção futura do panorama de Life Sciences, anunciando perspectivas empolgantes para o setor.

Um exemplo é o programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), que sempre esteve na agenda do Governo Federal e recentemente voltou a ganhar destaque. Nos últimos anos, e devido a recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério da Saúde (MS) iniciou um processo de revisão das regras aplicáveis às PDPs. Entre outras, as principais fragilidades que precisavam ser abordadas diziam respeito à falta de critérios objetivos para analisar propostas de PDPs e definir quais medicamentos são elegíveis para PDPs, bem como à insegurança jurídica quanto à seleção do parceiro privado. Em 21 de junho de 2024, após uma rodada de debates que resultou em 1.265 contribuições diferentes de partes interessadas, o MS publicou a Portaria nº 4.472/2024 visando lidar com essas fragilidades e trazer uma nova regulamentação ao programa de PDPs.

Com a onda da nova regulamentação, entre junho e setembro de 2024, várias Indústrias Farmacêuticas Estatais (IFE), como a Fiocruz, a Bahiafarma e o Instituto Butantan, realizaram chamadas públicas para selecionar parceiros privados com o objetivo de apresentar propostas de PDPs juntamente ao MS. Até 30 de setembro, o MS recebeu 147 propostas de PDPs e 175 propostas para PDILs (Programa de Desenvolvimento e Inovação Local).

Embora o MS ainda não tenha disponibilizado a lista de propostas de PDPs submetidas até o dia 30 de setembro, informando quais IFEs e parceiros privados apresentaram propostas e para quais produtos elegíveis, segundo o ex-Secretário do Departamento de Complexo Industrial e Econômico da Saúde do MS, Carlos Gadelha, as propostas foram principalmente para projetos nas áreas de saúde digital (85 projetos), câncer (48 projetos) e doenças negligenciadas (39 projetos), além de 3 propostas para a vacina contra dengue, 6 propostas de inovação local focadas em diagnósticos e 1 proposta para tratamento da referida doença.

Em dezembro de 2024, o MS publicou a Norma nº 1/2024, estabelecendo o novo Regulamento Interno da Comissão de Avaliação Técnica (CTA), abordando, entre outros tópicos, os papéis e procedimentos operacionais da CTA dentro do quadro de PDPs e a criação de um sistema de pontuação para propostas de PDPs para servir como critério de análise e classificação.

Apesar dos seis meses decorridos desde o prazo de 30 de setembro para submissão de propostas de PDPs, até agora, apenas duas foram recentemente aprovadas – referentes às tecnologias de produção de insulina glargina e à vacina contra o vírus sincicial respiratório.

Também em 2024, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre novas diretrizes para a judicialização do fornecimento de produtos farmacêuticos pelo Governo Federal, especialmente aqueles considerados de alto custo. Em decorrência do julgamento de recursos discutindo o fornecimento de medicamentos a pacientes individuais, o Supremo Tribunal Federal brasileiro editou os temas nº 6 e nº 1.234, estabelecendo que o Governo Federal não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo judicialmente demandados quando tais produtos não estão incluídos na lista de medicamentos disponíveis no Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional do Sistema Único de Saúde (SUS) nem registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O Supremo Tribunal Federal brasileiro também determinou que, nos casos em que (i) houver um obstáculo operacional na aquisição de produtos farmacêuticos, ou (ii) houver uma disputa de preço em relação ao medicamento, caberá ao juiz designado determinar (a) um preço com desconto proposto durante o processo de incorporação no MS, ou (b) o preço que já custa à Administração Pública, o que for menor. O não fornecimento do medicamento pelo preço estabelecido resultará em multas.

Quando se trata de litígios de patentes no setor de Ciências da Vida, os Tribunais brasileiros têm desempenhado um papel essencial na definição do panorama da prática. Por exemplo, uma decisão recente da 1ª Câmara de Direito Empresarial e Conflitos relacionados à Arbitragem do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou uma decisão de mérito do tribunal de primeira instância que havia rejeitado alegações de infração formuladas pelo titular da patente com base em alegações denulidade da patente (tratava-se de uma patente de metabólito) para reconhecer que a determinação sobre  se haveria ou não infração exigiria exame técnico a ser realizado por um especialista em bioquímica ou química orgânica. Esta decisão é fundamental, pois garante a produção completa de provas em casos de infração de patentes, mesmo que seja determinada em segunda instânciaapós ter sido rejeitada pelo tribunal de primeira instância.

Além disso, as implicações do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.529 (ADI nº 5.529) pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro ainda estão em andamento. Em maio de 2021, o parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial (LPI) foi declarado inconstitucional, anulando a disposição que garantia um mínimo de 10 anos de proteção para patentes concedidas após mais de 10 anos de exame no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A partir de 12 de maio de 2021, todas as patentes concedidas pelo INPI passaram a válidas por 20 anos a partir do depósito e as patentes que haviam sido concedidas sob a égide do parágrafo único do artigo 40 da LPI, se relacionadas a tratamentos e produtos farmacêuticos ou objeto de ações de nulidade ajuizadas até 7 de abril de 2021 (desde que o parágrafo único do artigo 40 da LPI fosse causa de pedir) tiveram o prazo de proteção imediatamente reduzido para 20 anos a partir do depósito.

Como resultado, 66 ações foram ajuizadas nos Tribunais Federais – principalmente em Brasília e uma delas no Rio de Janeiro – solicitando o ajuste do prazo de proteção em vista do atraso do INPI na análise dos pedidos. A primeira onda de casos foi baseada exclusivamente no mecanismo estrangeiro de Patent Term Adjustment (ações semelhantes ao PTA), mas uma segunda onda fundamentou suas reivindicações nas disposições da legislação brasileira que estabelecem o devido processo legal administrativo e a duração razoável dos procedimentos administrativos, bem como a obrigação de a Administração Pública compensar danos causados por seus próprios atos – nesse caso, o atraso injustificado do INPI na análise dos pedidos de patentes, em alguns casos levando mais de 15 anos para serem concluídas. Até agora, 25 casos foram decididos no mérito em primeira instância, todos sendo rejeitados. Há 15 recursos pendentes no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), e 3 recursos já foram julgados, nos quais o Tribunal manteve as decisões de mérito desfavoráveis aos titulares de patentes.

Vale destacar que os Tribunais não são os únicos que têm enfrentado discussões sobre ajustes no prazo de proteção de patentes. Existem vários projetos de lei pendentes no Congresso brasileiro discutindo mecanismos de ajuste de prazo de patentes, sendo o mais relevante o Projeto de Lei nº 2.056/22, proposto para alterar tanto a Lei nº 5.648/1970, que criou o INPI, quanto a LPI: (i) permitir pedidos divididos após a decisão que concedeu o pedido de patente e, em caso de indeferimento, até a decisão final (incluindo a fase de recurso); (ii) permitir modificações de reivindicações até o final da fase de exame; (iii) declarar que o final da fase de exame inclui a fase de recurso; (iv) estabelecer um mecanismo de PTA para atrasos do INPI. Certamente, muito mais está por vir — e teremos que esperar para ver.