Pessoas & Gestão

O redesenho do papel do CFO e a nova fronteira da Governança

O artigo, que é o texto de abertura do ranking de Recrutamento Financeiro no Brazil's Best Counsel da Leaders League Brasil, tem autoria de Felipe Brunieri e Guilherme Malfi, sócios-fundadores da Assetz Expert Recruitment

Considerando as três dimensões ESG — Environmental, Social and Governance —, este último pilar, a Governança Corporativa, pode ser considerado a “zona de conforto” do CFO, uma vez que o conhecimento mais avançado nessa área já é, ou deveria ser, tradicionalmente exigido dos profissionais financeiros.

Nos últimos anos, o estabelecimento de práticas de Governança nas companhias tem passado por transformações significativas, levando os CFOs e suas equipes a fortalecerem os instrumentos de controles internos, a fim de evitar crises financeiras e de confiança.

Agora, há mais exigências no horizonte. A CVM (Comissão de Valores Imobiliários) impõe, a partir de 2026, a apresentação de relatórios ESG para empresas de capital aberto. Muitas companhias — mesmo as que não têm ações na Bolsa — já atuam para se enquadrar às exigências relacionadas a esses relatórios. Assim, a área financeira ganha ainda mais responsabilidades, com a necessidade de criação de indicadores exclusivos e de acompanhamento consistente das pautas ESG.

Com isso, o “G”, que nos últimos anos esteve predominantemente voltado a questões de criação de dispositivos antifraude e proteção da saúde financeira da companhia, está cada vez mais relacionado também à gestão das iniciativas socioambientais. E o ponto de partida para a consolidação da agenda ESG dentro dos escritórios tem sido a promoção da diversidade.

Diversidade e demais obrigações sociais

O pilar “S” (Social) do ESG está amparado principalmente pelas questões de diversidade. Dentro das empresas, a expectativa é que, nos médio e longo prazos, essa pauta avance para posições de liderança, partindo de uma base de colaboradores mais diversa. Para isso, as companhias precisam se preocupar em não apenas atrair talentos, mas também em retê-los.

Diante desse cenário, um dos primeiros passos para a implementação das iniciativas ESG é a reavaliação dos critérios de contratação e a adoção de uma abordagem mais paciente nos processos internos de desenvolvimento das lideranças. Frequentemente, exigências não presentes no processo seletivo são impostas já no primeiro dia do profissional na empresa, o que pode comprometer as iniciativas de inclusão e o crescimento de talentos de grupos sub-representados.

Se a disseminação das pautas ESG da porta para dentro das empresas encontra algumas resistências; da porta para fora, as dificuldades se avolumam. Ao longo dos anos, as empresas têm protagonizado diversas catástrofes socioambientais causadas por suas iniciativas econômicas, tornando-se necessária a criação de condições de desenvolvimento sustentável que protejam a população e o ecossistema no entorno de sua área de atividade.

Se as organizações podem ficar marcadas por protagonizarem problemas dessa magnitude, benefícios substanciais ao meio ambiente e às suas populações também podem ser atrelados ao nome das companhias de maneira permanente. Para tanto, os executivos podem contar com parcerias com organizações não governamentais, institutos privados, autoridades e sociedade civil, seja por meio de iniciativas pontuais ou convênios e consórcios para ações mais ambiciosas.

Com os números em mãos, o CFO tem um caminho mais orientado para o desenvolvimento de iniciativas que favoreçam a disseminação das pautas ESG dentro da companhia e fora dela, sem comprometer os resultados financeiros da operação. Nesse sentido, ele também pode liderar ou integrar comitês dedicados ao desenvolvimento de práticas sustentáveis e sociais, garantindo que a sustentabilidade esteja integrada à estratégia do negócio.

Indicadores

Para entender, de fato, como as iniciativas estão gerando resultados, a área de Finanças deve participar da criação e apuração de indicadores ESG. Assim, o executivo terá subsídios para identificar quanto custa cada iniciativa e qual é o retorno esperado para a empresa e a sociedade. Diante disso, o CFO tem uma atuação muito importante de centralização, avaliação, priorização e aprovação dessas iniciativas. Em seguida, ele pode passar os dados à área que vai implementar a ação, como a de Produtos ou de Projetos, por exemplo.

Nesse sentido, há desafios diferentes para cada vertical ESG. A mensuração das ações sociais, por exemplo, pode ser mais subjetiva e de cálculo mais complexo, especialmente pensando em como a empresa pode se beneficiar dos resultados. Por outro lado, a questão ambiental parece mais avançada no sentido de descobrir o que é preciso fazer e qual é o retorno para a sociedade e a empresa.

Se a mensuração do resultado não é tanto o problema nesses casos, em outros, o êxito dessas iniciativas pode significar um outro entrave para o CFO: a grande a chance de essas ações reduzirem a lucratividade da empresa no curto prazo. A aceitação desse fator por parte de agentes do mercado requer uma mudança cultural drástica; caso contrário, será difícil incluir as demandas ESG às estratégias das companhias de maneira estrutural e definitiva.

Instrumentos sustentáveis de financiamento

 No Brasil, alguns executivos de Finanças afirmam que ainda são parcos os benefícios dados a empresas com projetos realmente sustentáveis. Essas companhias são submetidas às mesmas exigências com relação à lucratividade que outras que não têm na sua estratégia ações em ESG, o que desestimula a adesão a esse tipo de instrumento de financiamento, uma vez que os green bonds impõem exigências adicionais às empresas e cobram desempenho que as companhias não sustentáveis não precisam seguir. Dessa maneira, as organizações acabam assumindo sozinhas o alto risco inerente a projetos de inovação e sustentabilidade.

Diante disso, o desafio do CFO se torna ainda mais difícil, dado que ele ajuda na estruturação da dívida, além de participar da mensuração e dar transparência acerca das operações para o mercado. Indo além, o executivo de Finanças que acumula a função de Relações com Investidores está incumbido de conversar com o mercado financeiro e demovê-lo da exigência por lucros a qualquer custo em troca de um projeto construtivo e de longo prazo do ponto de vista socioambiental.

Por isso, é preciso haver uma mudança de mindset do mercado a partir de um entendimento por parte dos agentes de que as empresas são incapazes de tocar sozinhas a consolidação de uma economia mais sustentável. O desafio é grande, mas não é insuperável, principalmente se os grandes agentes financeiros ajudarem na construção dessa nova cultura.

O CFO e os novos desafios

Iniciativas como a inclusão de novas opções de financiamento com foco no desenvolvimento sustentável e relatórios obrigatórios sobre projetos relacionados ao tema ESG impõem ao CFO, que será excessivamente afetado por essas demandas, um aperfeiçoamento profissional nos médio e longo prazos para esses temas. Ainda que, hoje, a demanda por executivos especializados em ESG não seja tão intensa (o que é um ponto a ser lamentado), no futuro próximo, as contratações de diretores, vice-presidentes e CEOs contemplarão necessariamente o conhecimento detalhado de estratégias de desenvolvimento sustentável.

No melhor dos mundos, pensando em desenvolvimento socioambiental, esses profissionais serão avaliados pelas companhias por sua capacidade de buscar os melhores instrumentos incentivados de financiamento, elaborar estratégias para desenvolvimento sustentável, montar equipes diversas, conversar com o mercado financeiro em termos de crescimento sustentável, bem como mensurar retornos — para a companhia e para a sociedade — das ações em ESG estruturadas tanto da porta para dentro quanto da porta para fora da companhia.

Diante disso, as instituições de ensino serão demandadas para que cursos que tradicionalmente formam CFOs e CEOs abordem, em suas principais matérias e módulos, o tema ESG em toda sua profundidade e relevância. Ainda assim, o aprendizado acadêmico não substituirá uma realidade que o CFO já conhece: o que mais ensina é o dia a dia de trabalho. Portanto, os atributos em ESG que as empresas do futuro cobrarão dos executivos devem começar a ser desenvolvidos pelos profissionais no presente.