Na pílula anterior, abordamos as modalidades de transações de M&A, incluindo (i) Transações primárias vs. Secundárias vs. Mistas, (ii) Equity deals vs. Asset deals, (iii) Transações domésticas vs. Cross-border, (iv) Transações Estratégicas vs. Private Equity, (v) Greenfield vs. Brownfield, e (vi) Joint venture. Passamos a cuidar, agora, das estruturas mais usuais em transações de M&A.
Como explicado em nossas últimas pílulas, o termo M&A é utilizado de forma genérica para tratar de transações empresariais. Do ponto de vista técnico, as transações de M&A podem ser estruturadas em diferentes formatos, cada qual com suas nuances e implicações estratégicas. Nesta pílula, explicaremos resumidamente os tipos mais usuais de estruturas destas transações.
Independente da estrutura definida para a transação, é fundamental adotar alguns cuidados, incluindo:
- a parte compradora deve realizar uma auditoria prévia minuciosa, a fim de avaliar adequadamente a empresa-alvo, sendo importante considerar, nessa auditoria, possíveis passivos da empresa-alvo e do próprio vendedor que possam, direta ou indiretamente, afetar a empresa-alvo e suas atividades;
- analisar cuidadosamente todos os aspectos legais, financeiros, tributários e regulatórios aplicáveis, incluindo para confirmar necessidade de aprovação de terceiros para a realização da transação (como autoridades governamentais, bancos, outros sócios ou parceiros comerciais, por exemplo); e
- as partes devem formalizar a transação por instrumento contratual, redigido de forma clara e completa, e refletindo adequadamente os termos e condições acordados para evitar possíveis divergências futuras.
Compra e venda
A compra e venda é a estrutura mais tradicional e frequente em transações de M&A. Nela, uma parte (o comprador) adquire participações societárias (ações/quotas) ou outros ativos (por exemplo, imóveis, equipamentos, contratos etc.) de outra parte (o vendedor), resultando na efetiva transferência de propriedade. Esta modalidade pode abranger a aquisição total ou parcial da empresa-alvo (ou de ativos específicos), permitindo que o comprador implemente sua estratégia para o negócio.
Mútuo conversível
O mútuo conversível ganhou maior relevância nos últimos anos, especialmente no contexto de investimentos em startups. Nessa estrutura, o comprador (investidor) inicialmente concede um empréstimo à empresa-alvo, podendo (ou não) converter esse empréstimo em participação societária, conforme condições previamente acordadas.
Essa estrutura é particularmente interessante ao comprador (investidor) que acredita no potencial de valorização futura do negócio, porém que não deseja assumir, na condição de sócio ou acionista, os riscos imediatos de um eventual insucesso da empresa-alvo.
Desta forma, se as atividades da empresa-alvo forem (i) bem-sucedidas, o comprador (investidor) pode converter o empréstimo e tornar-se efetivamente acionista/sócio da empresa-alvo, e (ii) malsucedidas, o comprador (investidor) poderá, em teoria, exigir a devolução do dinheiro emprestado – na prática, entretanto, é pouco usual que o comprador (investidor) efetivamente consiga receber o dinheiro de volta.
Como essa estrutura é compatível apenas em transações primárias (conceito explicado em nossa pílula anterior publicada em 2 de outubro de 2025) e os antigos sócios/acionistas permanecem como sócios/acionistas da empresa-alvo, recomenda-se que o comprador (investidor) negocie, simultaneamente com o contrato de mútuo conversível, um acordo de sócios/acionistas que será aplicável caso o empréstimo seja convertido em participação societária.
Subscrição de aumento de capital
A subscrição de aumento de capital é a modalidade clássica de investimento primário (conceito também explicado em nossa pílula anterior publicada em 2 de outubro de 2025). Por meio dessa estrutura, um investidor subscreve novas quotas/ações da empresa-alvo, tornando-se sócio/acionista dela.
Essa estrutura é particularmente comum em processos de reestruturação ou expansão de negócios, pois oferece uma forma de rápida injeção de recursos financeiros sem a necessidade de endividamento externo.
Trata-se da estrutura muito utilizada em transações de private equity, em que um ou mais investidores subscrevem participação minoritária da empresa-alvo e passam a exercer um papel ativo na sua gestão, influenciando decisões estratégicas.
Tendo em vista que os antigos sócios/acionistas permanecem como sócios/acionistas da empresa-alvo, recomenda-se que o comprador (investidor) negocie, simultaneamente com o contrato de investimento, um acordo de sócios/acionistas.
Permuta
A permuta de ativos nada mais é do que a efetiva troca de bens ou direitos entre as partes – podendo ou não incluir um componente em dinheiro. Apesar de menos frequente, essa estrutura pode ser vantajosa em cenários em que a liquidez é um desafio, em operações que visam a otimização de recursos e quando as partes podem se beneficiar mutuamente com a troca de determinados ativos.
A permuta pode gerar sinergias operacionais significativas, permitindo que as empresas ampliem sua área de atuação e/ou seu portfólio de produtos ou serviços de maneira eficaz.
Além disso, é possível explorar eventual benefício tributário em transação de permuta, o que deve ser analisado caso a caso.
Reorganizações societárias – Incorporação de sociedade vs. Incorporação de ações
Transações de M&A também podem ser estruturadas na forma de reorganizações societárias. A estrutura mais comum nesse sentido é a aquisição via incorporação. Cabe explicar que, sob o ponto de vista técnico, existem dois tipos diferentes de incorporação, cada qual com suas peculiaridades e consequências jurídicas próprias, a saber:
- Incorporação de sociedade (prevista no art. 227 da Lei das S.A.): é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra (a incorporadora), que sucede a(s) sociedade(s) incorporada(s) em todos os seus aspectos, incluindo em suas atividades, direitos e obrigações. Nessa alternativa, a(s) sociedade(s) incorporada(s) é(são efetivamente extinta(s); e
- Incorporação de ações (prevista no art. 252 da Lei das S.A.): é a operação pela qual ocorre a incorporação de todas as ações de uma sociedade ao patrimônio da sociedade incorporadora, passando a sociedade incorporada à condição de subsidiária integral da sociedade incorporadora. Nessa alternativa, não há extinção da sociedade incorporada, que segue ativa e com suas próprias atividades, direitos e obrigações.
A depender dos objetivos pretendidos e das peculiaridades de cada transação, a utilização de incorporação de sociedade ou a incorporação de ações pode ser uma estratégia interessante.
Reorganizações societárias – Cisão parcial vs. Drop down
Outra medida usual é a realização de reorganizações societárias em preparação para a realização de um M&A. Isso pode ocorrer por diversas razões, incluindo nos casos em que se pretende alienar apenas parte dos ativos da empresa-alvo e, por isso, se faz necessária uma segregação prévia de ativos.
As duas formas mais frequentes para realizar essa segregação são por cisão parcial ou pelo chamado “drop down”. Cabe explicar que, sob o ponto de vista técnico, existem importantes diferenças entre essas alternativas, cada qual com suas peculiaridades e consequências jurídicas próprias, a saber:
- Cisão parcial (prevista no art. 229 da Lei das S.A.): é a operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, dividindo-se o seu capital. Nessa alternativa, o mais comum é que os sócios/acionistas da sociedade que recebe os ativos sejam os mesmos sócios/acionistas da sociedade cindida (i.e., daquela que tem seu patrimônio dividido); e
- Drop down (não há previsão expressa na Lei das S.A.): é a operação pela qual uma sociedade contribui com um conjunto de ativos e passivos para formar e integralizar o capital social de uma outra sociedade, tornando-se sócia/acionista dessa nova sociedade. Nessa alternativa, a sociedade realiza a troca de seus ativos e passivos por ações/quotas da nova sociedade que, por sua vez, passa a ser a titular direta dos ativos e passivos contribuídos.
Além dos aspectos acima mencionados, a realização de cisão parcial ou drop down possui relevantes diferenças sob o ponto de vista de responsabilidade no contexto de uma futura venda a terceiros, o que deve ser analisado caso a caso.
Compra no contexto de recuperação judicial
Outra estrutura vista com frequência é a aquisição de negócios no contexto de recuperação judicial.
A Lei de Falências prevê, em seu art. 60, que o adquirente de filiais ou unidades produtivas isoladas (“UPIs”), no contexto de um plano de recuperação judicial aprovado, gozará de proteção legal em relação às obrigações de qualquer natureza do devedor original.
Ainda que inexista uma definição legal própria, as UPIs são tradicionalmente entendidas como um estabelecimento, segmento de atividades, linha de negócios ou certo conjunto de bens, por meio do qual desenvolve-se determinada atividade empresarial.
Por um lado, essa estrutura pode ser particularmente interessante, pois permite que investidores possam adquirir, muitas vezes por preços competitivos, ativos (i.e., filiais ou UPIs) saudáveis e, ainda, dotados de proteção legal contra responsabilidades do devedor original e passivos ocultos – o que, normalmente, costuma ser a maior preocupação em processos de compra e venda de empresas fora do contexto de recuperação judicial.
Por outro lado, este tipo de transação exige cuidados adicionais, especialmente para garantir que todos os procedimentos legais estabelecidos pela Lei de Falências, incluindo a validade e legitimidade da constituição da UPI, aprovação e possíveis exigências previstas no plano de recuperação judicial, entre outros aspectos formais, estejam devidamente atendidos.
OPA de ações de companhia aberta
Em se tratando de uma companhia aberta (i.e., uma companhia que possua suas ações negociadas em mercado de valores mobiliários), eventual interessado em adquirir seu controle poderá fazê-lo mediante oferta pública de aquisição de ações (“OPA Aquisição”). Embora existam diferentes tipos de ofertas públicas, trataremos aqui apenas da OPA Aquisição.
Neste cenário, a OPA Aquisição serve como instrumento adequado para que um comprador proponha, de forma pública e seguindo os procedimentos previstos pela Lei das S.A. e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), uma oferta para a aquisição de ações de uma determinada companhia aberta, usualmente por preço superior àquele preço negociado em bolsa, criando um incentivo para que os acionistas aceitem a oferta.
A OPA Aquisição é particularmente interessante nas situações em que a companhia aberta possui um capital disperso, ou seja, sem um acionista controlador definido. Nessas situações, o comprador interessado pode realizar a oferta de compra (i) sem necessidade de negociação com os atuais acionistas (os quais, em um cenário de capital disperso, possuem dificuldades para agir de forma coordenada, favorecendo o comprador interessado), (ii) mediante as condições financeiras que julgar apropriadas, e (iii) sob a condição de que a oferta apenas será válida e eficaz se efetivamente aceita por acionistas que detenham, de forma conjunta, ações que assegurem, ao comprador interessado, exercer o controle da companhia – ou seja, caso a OPA Aquisição não seja bem sucedida e garanta ao comprador interessado ao menos o controle da companhia, a mesma não será válida.
Em nossa próxima pílula, abordaremos um pouco sobre os principais atores nas operações de M&A.