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'Ainda há situações em que é nítida a diferença de tratamento'

Aline Gorrão é sócia da Porto & Reis, Freire e Gorrão. Ocupando a 3ª posição da lista Corporate & Finance Leading Women, ela fala sobre a cultura do machismo e as perspectivas do mercado pós-pandemia.

Como você descreveria os diferenciais da sua atuação em perícias?

Estudo minucioso do caso, acompanhamento atento, escuta dos clientes e advogados, além da aplicação efetiva da teoria e prática da contabilidade ao caso específico, mas com um olhar jurídico conjugado, que advém de formação acadêmica e experiência, me permitem uma atuação mais assertiva e de parceria real com os assessores legais. Entendo que o trabalho em equipe (técnicos, advogados e clientes) é sempre mais produtivo e resulta em boas abordagens, o que traz soluções efetivas ao caso.

Quais são os maiores desafios para as mulheres que atuam na área?

O tradicionalismo ainda é um desafio a ser superado em diversas esferas, inclusive na área pericial. Vejo uma evolução no mercado nesse sentido, mas ainda há situações em que é nítida a diferença de tratamento. Associada à cultura do machismo, a expectativa do desempenho social e profissional da mulher é um desafio a ser superado. Historicamente, para serem levadas em consideração no mercado, as mulheres devem ser extraordinárias.

Essa necessidade do extraordinário faz com que as mulheres sejam impingidas a uma maior preparação, dedicação e estudo, pois é o domínio dos assuntos que estão sendo discutidos que faz as barreiras tradicionais serem quebradas e permite a construção de relações de confiança com os assessores legais e clientes.

Assim, o equilíbrio entre os diversos papéis que a mulher desenvolve continua sendo um dos principais desafios a ser vencido, bem como a conscientização, até das próprias mulheres, de que está tudo bem não ser perfeita em tudo, o tempo todo.

Olhando especificamente para a área pericial, ainda existe uma predominância masculina, apesar de se ver cada vez mais mulheres atuando na área e se tornando proeminentes. Parece-me que o respeito aos compromissos firmados e a qualidade dos trabalhos fará com que a questão de gênero seja superada. Além disso, o movimento feminino hoje existente que reforça que as mulheres são igualmente capazes abre cada vez mais espaço para que quem atua na área pericial possa encontrar nessa área um negócio profícuo.

Por fim, não poderia deixar de falar do etarismo que também atinge as mulheres e é um desafio a ser enfrentado. A preparação, a experiência e a dedicação fazem com que muitas mulheres estejam maduras para o trabalho pericial em tenra idade e isso muitas vezes não é percebido pelo mercado. Não é raro nos depararmos com mulheres tidas como jovens, que apesar de plenamente capazes, são tolhidas em suas manifestações apenas por estes fatos, com o implícito argumento de autoridade baseada na idade e no gênero. Saber se impor nesses momentos de forma firme, mas sem usar de agressividade é um dos desafios que temos que aprender a enfrentar.

Acredito que as mulheres podem exercer a função que elas quiserem e que usando esses desafios em seu favor, podem alcançar cada vez mais as posições que lhes interessarem, inclusive como peritas de destaque.

Como você avalia o atual cenário da arbitragem no Brasil?

A arbitragem como meio alternativo de solução de conflito surge como uma tentativa de superar algumas críticas que o Judiciário recebe. Contudo, essa alternativa vem enfrentando a mesma dificuldade que os juízes togados enfrentam quando a solução de alguma controvérsia depende de provas e questões técnicas.

Uma das características recorrentes das discussões em procedimentos arbitrais é a complexidade das demandas neles tratadas. Isso faz com que as provas requeridas sejam também cada vez mais complexas, já que os temas abordados o são de uma forma cada vez mais completa. Isto demanda um aprofundamento técnico jurídico e um aprofundamento técnico específico, seja de engenharia, contábil ou qualquer outra especialidade, que outrora não era esperado nas demandas judiciais.

Esta característica de maior aprofundamento técnico resultou num incremento de custo e tempo não dimensionados originalmente, contrariando a expectativa original e gerando nos usuários das provas periciais uma falsa percepção de que são elas as geradoras de problemas nas arbitragens. Esta percepção acaba numa busca por simplificação, que é, todavia, incompatível com a complexidade dos casos e com a demanda por aprofundamento técnico que se espera nessa esfera.

Apesar de contrariar a expectativa original, uma maior discussão jurídica e técnica tende a resultar numa sentença mais completa, porém com uma quantidade cada vez maior de minúcias, o que pode acabar resultando em maiores vulnerabilidades, delegando a este método alternativo de solução de conflitos patologias similares àquelas enfrentadas no judiciário.

Apesar de possuir, aparentemente, uma profundidade técnica mais adequada, conflitos e críticas a questões procedimentais, que não são usuais para profissionais não togados, tem se mostrado cada vez mais recorrente, de forma que me parece que a utilização das arbitragens passa por um momento delicado e que requer cuidado dos profissionais que atuam nelas.

O cuidado com eventuais conflitos e o dever de revelação precisa ser cada vez maior, além de ser extremamente necessária a observância de procedimentos periciais adequados e de ampla fundamentação das opções técnicas adotadas, de forma a não suscitar qualquer discussão de validade dos trabalhos. E é justamente esse cuidado e dedicação dispendida pelos profissionais que continuam permitindo discussões de alto nível nos ambientes arbitrais, apesar de, novamente, o custo e tempo, serem, talvez, diferentes da expectativa original.

E quais as perspectivas para o próximo ano?

Tenho a impressão de que o ano de 2023 marcou a sedimentação da sociedade após os impactos da pandemia gerada pela COVID. Este momento, como outros de grande impacto na história, gerou mudanças significativas na forma como as pessoas se relacionam. Num primeiro momento se viu uma modificação no perfil dos consumidores e na dinâmica social, o que fez com que diversos mercados tivessem comportamentos completamente alucinados, porém, com o passar do tempo a sociedade se reestabeleceu em um outro patamar, não necessariamente melhor ou pior, somente diferente, e isso tem impactos futuros desafiadores.

O Brasil vai enfrentar nos próximos anos, muito provavelmente, o impacto da reforma tributária e dos períodos de transição. Não se tem ainda a exata dimensão de até que ponto a reforma tributária irá ou não simplificar os modelos de apuração dos tributos, se irá ou não melhorar a dinâmica administrativa e operacional das entidades. Contudo, estas mudanças demandarão constante atualização. Atualização esta que não se limita ao conhecimento da lei, é uma atualização de comportamento, porque a reforma tributária irá trazer para dentro do universo tributário, questões que até então estavam distantes, como questões tecnológicas e do universo digital, que agora o legislador terá a oportunidade de adaptar com mais eficácia. Isto irá trazer, eventualmente, maior dificuldade para as startups e empresas que buscam obter retornos imediatos neste espaço, o que gerará oportunidades aos profissionais que estiverem atentos a isso.

Outra questão muito interessante do momento em que estamos é a ascensão de profissionais liberais de forma mais autônoma. Isso vai facultar que as pessoas sejam unidades de negócio. Hoje há influenciadores digitais, youtubers, tiktokers etc. faturando milhões de reais, existe um conjunto de fatores que pode, de certa forma, alterar o mercado ou o fluxo de dinheiro para pessoas físicas e essas pessoas físicas vão demandar atenção.

Atenção do judiciário, no sentindo de estabelecer até que ponto um anunciante pode, eventualmente, anunciar um produto falso ou pode anunciar um produto sem informar que é pago para isso, se é ou não considerado um anunciante e pode ser demandado do judiciário por questões cíveis e tributárias. Até que ponto os recursos que recebe são receita tributáveis, o que é o custo dessa pessoa, como é o custo, como a gente incorpora esta fonte de geração de receita nas questões tributárias, porque não é mais estritamente uma pessoa física, só no seu âmbito físico tradicional. Uma pessoa física no seu âmbito físico transcendental, ou até mesmo digital.

Essas questões permitem uma gama de oportunidades muito expressiva, assim como tem os desafios da inteligência artificial sendo incorporada no dia a dia das pessoas, que irá conflitar, em certa medida, com trabalhos técnicos tradicionais, porque não mais as alternativas devem seguir padrões pré-estabelecidos. A resposta de padrões pré-estabelecidos será ofertada pela inteligência artificial.

O que os técnicos tradicionais devem agora ofertar aos seus clientes é uma inovação na forma de compreensão das questões técnicas. Agora não basta mais conhecer só o artigo de lei, é preciso transcender seu conteúdo literal para ultrapassar eventual aspecto literal desse dispositivo legal. Comparativamente, temos que ultrapassar a interpretação mecânica da ciência contábil, das ciências humanas, as ciências técnicas jurídicas, temos que ser mais universal na aplicação das ciências para que uma maior versatilidade e utilidade. O próximo ano terá desafios e oportunidades igualmente volumosos, o diferencial será a capacidade de adaptação, inovação e desenvolvimento das oportunidades que forem oferecidas.

Corporate & Finance Leading Women: Confira a lista completa