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Revisão de Compensation System: o movimento que está reconfigurando o mercado jurídico brasileiro

Fernando Gomes Xavier, CEO da FGX Strategic Solutions, detalha como a pressão por transparência, performance e retenção de talentos está levando bancas a repensarem seus modelos de remuneração

O debate sobre modelos de remuneração em escritórios de advocacia deixou de ser um tema restrito à gestão financeira e passou a ocupar um espaço central nas discussões estratégicas das principais bancas do país. Pressionados por um mercado mais competitivo, clientes mais exigentes, novas dinâmicas de trabalho e pela chegada de uma geração de advogados com expectativas diferentes sobre carreira, propósito e desenvolvimento, os escritórios têm sido desafiados a revisitar seus sistemas de compensação — estruturas que, historicamente, moldam cultura, poder, incentivos e o próprio futuro das sociedades.

Em uma entrevista exclusiva, Fernando Gomes Xavier, CEO da FGX Strategic Solutions, advogado, empreendedor e especialista em finanças e gestão de escritórios, que também lidera a New Lever, empresa de IA reconhecida pelo desenvolvimento de soluções para grandes bancas, departamentos jurídicos e órgãos institucionais, compartilha sua visão sobre por que a compensação se tornou um dos temas mais sensíveis e determinantes para escritórios de todos os portes, quais modelos estão emergindo no Brasil e no exterior, e como a revisão desses sistemas pode impactar cultura, retenção de talentos, liderança e sustentabilidade do negócio.

Confira a entrevista na íntegra:

A FGX tem observado uma demanda crescente pela revisão dos sistemas de compensação em escritórios de advocacia? O que explica esse movimento no mercado jurídico neste momento?

Sim, e de forma cada vez mais recorrente. A revisão dos sistemas de compensação tem surgido como um ponto sensível em praticamente todos os projetos de planejamento estratégico que temos conduzido na FGX. Muitos sócios e advogados me procuram diretamente para falar sobre isso, alguns por insatisfação com os modelos atuais, outros por perceberem que o sistema vigente já não traduz a estratégia nem a cultura do escritório.

Esse movimento reflete um novo estágio de maturidade do mercado jurídico. O sistema de compensação deixou de ser apenas uma ferramenta financeira para se tornar um instrumento de cultura, de incentivo e de sustentabilidade do negócio. Em última instância, é ele quem conecta o discurso da liderança ao comportamento das pessoas.

No cenário internacional, o tema também ganhou força. A maioria das firmas em crescimento revisou seus modelos nos últimos anos, ajustando critérios de performance, colaboração e desenvolvimento de clientes. A pressão por transparência e alinhamento estratégico é global e vem moldando uma nova forma de pensar meritocracia e liderança.

No Brasil, o tema ganhou tração porque o mercado se sofisticou. Os escritórios estão mais atentos à gestão, às métricas e à retenção de talentos. E perceberam que não há cultura sólida nem crescimento sustentável quando o sistema de compensação não reflete, de forma coerente, a estratégia e os valores que o escritório defende.

Como os modelos tradicionais de remuneração de sócios e equipes têm se mostrado insuficientes diante das novas dinâmicas de mercado e das expectativas dos profissionais?

Os modelos tradicionais de remuneração deixaram de refletir a realidade do mercado jurídico atual. Eles foram criados em um contexto em que o trabalho era mais previsível, a tecnologia tinha papel secundário e o cliente aceitava uma relação pautada quase exclusivamente pela entrega técnica. Hoje, nada disso se sustenta.

Os clientes mudaram, esperam previsibilidade, eficiência e uma postura mais consultiva dos escritórios. A tecnologia mudou, automatizou etapas inteiras e deslocou o valor do “fazer” para o “pensar”. E o trabalho jurídico em si ficou mais sofisticado, exigindo colaboração entre áreas, visão de negócio e domínio de múltiplas competências além do direito.

Nesse novo cenário, modelos baseados apenas em horas faturáveis ou participação direta em honorários se tornaram limitados. Eles não reconhecem quem contribui para o crescimento coletivo, quem desenvolve pessoas, estrutura processos, implementa tecnologia ou fortalece relacionamentos com clientes.

Há ainda um fator interno decisivo: a expectativa de progressão de carreira. As novas gerações querem clareza sobre o que significa crescer dentro da firma, o que é valorizado, o que é recompensado e como as decisões são tomadas. Quando o sistema de compensação não oferece essa previsibilidade, ele se transforma em fonte de ruído e desengajamento.

Quais aspectos costumam ser mais críticos ou sensíveis em uma revisão de compensation system dentro de um escritório — distribuição de lucros, metas de performance, meritocracia, governança?

Quando um escritório revisa seu compensation system, o tema central raramente é apenas “quem ganha quanto”. O que está em jogo é o equilíbrio entre reconhecimento, pertencimento e futuro da sociedade. Por isso, os pontos mais sensíveis costumam ser justamente aqueles que mexem com identidade e poder: a distribuição de lucros, os critérios de performance e a forma como as decisões são tomadas.

A distribuição de lucros é o primeiro grande nervo exposto. Ela traduz, na prática, como a sociedade enxerga o peso relativo de cada sócio e de cada área. Mudanças na “distância” entre o sócio que mais recebe e o que menos recebe, na fronteira entre equity e service partners ou na lógica de originação vs. execução, tendem a gerar muita emoção, especialmente em escritórios que carregam histórias de contribuição muito distintas entre os sócios.

O segundo ponto crítico são as metas e métricas de performance. O que exatamente é considerado desempenho? Só faturamento e horas, ou também rentabilidade, desenvolvimento de pessoas, colaboração entre áreas, gestão, inovação, relacionamento com clientes? A discussão deixa de ser apenas financeira e passa a ser quase filosófica: “que tipo de comportamento queremos incentivar aqui?”.

Por fim, tudo isso só funciona se vier amparado por uma boa governança. Quem decide as regras? Há um comitê de compensação? Como são tomadas as decisões em casos excepcionais? Como são tratados os sócios em transição de carreira, novas gerações que estão entrando na sociedade ou sócios que atravessam momentos pessoais específicos? Sem clareza de processo, qualquer modelo – mesmo tecnicamente bem desenhado – corre o risco de ser percebido como “caixa-preta” e, portanto, pouco meritocrático.

Que boas práticas ou tendências internacionais têm influenciado os escritórios brasileiros na hora de repensar seus modelos de remuneração?

Os escritórios brasileiros têm se inspirado muito na experiência de grandes firmas internacionais, que vêm migrando de modelos “puros” (como o lockstep clássico ou o eat-what-you-kill) para arranjos híbridos, com mais flexibilidade e sofisticação.

A primeira tendência é justamente essa hibridização. Em vez de escolher entre “100% senioridade” ou “100% desempenho individual”, muitos escritórios adotam modelos de modified lockstep: existe uma base de participação relativamente previsível, associada ao tempo de casa e ao nível do sócio, combinada com faixas de performance que permitem reconhecer quem gera mais valor para o conjunto, seja em negócios, seja em liderança, formação de equipe ou desenvolvimento de clientes.

Outra prática importante é ampliar o leque de métricas. Globalmente, vem ganhando força a ideia de medir não só horas faturadas ou originação, mas também rentabilidade por cliente, cross-selling entre áreas, participação em projetos estratégicos, mentoring de talentos, papel na agenda de diversidade e inclusão e contribuição para a gestão. Ou seja, o sócio deixa de ser avaliado apenas como “produção individual” e passa a ser visto como um business leader completo.

Também observamos a consolidação de estruturas em dois ou mais níveis de sociedade (equity e non-equity partners), com trilhas mais claras de progressão e mecanismos de vesting para novos sócios. Isso permite combinar segurança de remuneração fixa com participação variável crescente, à medida que o profissional demonstra aderência à cultura, capacidade de originação e qualidade de liderança.

Por fim, há uma preocupação crescente com a revisitação periódica dos modelos. Em vez de “reformar o sistema a cada 15 anos”, muitos escritórios internacionais criaram comitês ou fóruns permanentes de compensação, que fazem pequenos ajustes anuais ou bianuais, sempre conectados ao planejamento estratégico, movimento que começa a influenciar cada vez mais as bancas brasileiras.

 

 A revisão de um sistema de compensação pode gerar tensões internas. Como a FGX costuma conduzir esse processo para equilibrar transparência, meritocracia e engajamento?

Na FGX, a primeira premissa é que não existe modelo de compensação perfeito, mas existe modelo coerente com a estratégia e a cultura do escritório. Então, antes de falar em fórmula, nós trabalhamos o “para quê”: que tipo de escritório vocês querem ser e que comportamentos precisam ser incentivados para chegar lá.

O processo começa com um diagnóstico técnico e humano. De um lado, analisamos dados: faturamento por área, margens, origem dos negócios, composição atual de lucros, impacto dos diferentes tipos de serviço, histórico de distribuição. De outro lado, conduzimos entrevistas com sócios e lideranças para entender percepções de justiça, ruídos, expectativas de carreira e eventuais tabus que precisam ser enfrentados.

A partir daí, construímos com o grupo um conjunto de princípios de compensação, por exemplo: “meritocracia com previsibilidade mínima”, “incentivo à colaboração entre áreas”, “proteção da cultura de longo prazo”, “reconhecimento de quem desenvolve pessoas”. Esses princípios funcionam como bússola para todas as decisões técnicas que virão na sequência.

Só então desenhamos o modelo em si, com simulações baseadas em resultados passados e cenários futuros. O objetivo é mostrar de forma transparente “como a roda gira”: se o escritório crescer X%, o que acontece com cada faixa de sócios? Se um sócio migra seu foco para gestão ou desenvolvimento de pessoas, como isso aparece no modelo? Essas simulações ajudam a reduzir a ansiedade e permitem ajustes antes da implementação.

Por fim, damos muita atenção à governança e à comunicação: regras claras de transição, instâncias responsáveis por revisar o modelo, rituais de acompanhamento e canais para tratar exceções. Em vez de ser um “decreto” de remuneração, o compensation system passa a ser um componente vivo da gestão, co-construído com os sócios e conectado ao planejamento estratégico e aos demais pilares de gestão de pessoas do escritório.

Olhando para os próximos anos, quais caminhos devem prevalecer nos modelos de remuneração: mais foco em desempenho individual, resultados coletivos ou métricas híbridas?

Na nossa visão, os modelos que vão prevalecer são claramente híbridos. Sistemas que apostam tudo no indivíduo tendem a gerar competição excessiva, pouco compartilhamento de conhecimento e uma dependência grande de algumas figuras-chave. Por outro lado, modelos que ignoram a performance individual em nome de uma igualdade total também não funcionam mais, especialmente para reter talentos que entregam acima da média.

O que vemos ganhar força, no Brasil e lá fora, são estruturas com três camadas combinadas: uma base de segurança (fixo e/ou participação mínima), um componente relevante de desempenho individual e um componente vinculado ao resultado coletivo, da firma ou da prática. Em alguns casos, ainda há uma camada específica para contribuições estratégicas, como abertura de novos mercados, liderança de projetos críticos ou desenvolvimento de lideranças internas.

Esse desenho permite reconhecer quem faz mais, sem quebrar a lógica de time. O sócio entende que precisa performar bem individualmente, mas também que é recompensado quando ajuda o escritório a crescer de forma saudável, integra novos sócios, impulsiona o cross-selling e constrói algo que vai além da sua carteira pessoal. Em última instância, os modelos vencedores serão aqueles capazes de equilibrar mérito, cooperação e visão de longo prazo.

 

A revisão dos sistemas de compensação é apenas uma parte da gestão de pessoas. Na visão da FGX, quais serão os principais desafios e transformações na gestão de talentos nos escritórios de advocacia nos próximos anos?

A gestão de talentos nos escritórios de advocacia vai passar por uma transformação tão profunda quanto a vivida pelo próprio modelo de negócios. O primeiro grande desafio é lidar com uma nova geração de advogados que valoriza desenvolvimento acelerado, flexibilidade, propósito e qualidade de vida tanto quanto remuneração. Carreiras “lineares”, com pouca mobilidade e baixo diálogo, tendem a perder atratividade.

Outro eixo crítico é a formação de lideranças. Muitos escritórios ainda promovem sócios excelentes tecnicamente, mas pouco preparados para liderar pessoas, gerir conflitos, dar feedback ou conduzir temas sensíveis como diversidade e saúde mental. A profissionalização da liderança – com trilhas de formação, avaliação estruturada e acompanhamento – será decisiva para retenção e engajamento.

A terceira frente é a integração entre pessoas, tecnologia e modelo de negócios. Com a evolução da inteligência artificial e da automação, boa parte das atividades repetitivas será redesenhada. Isso exige requalificar times, revisar perfis de contratação e, principalmente, repensar o que significa “entregar valor” para o cliente. O talento jurídico do futuro será, ao mesmo tempo, advogado, gestor de projetos, designer de soluções e parceiro de negócios.

Por fim, vejo um desafio de coerência: alinhar cultura, sistema de compensação, trilhas de carreira, políticas de desenvolvimento e práticas de gestão do dia a dia. Não adianta falar em colaboração e inovação se o modelo de reconhecimento premia apenas horas faturadas e originação individual. Os escritórios que conseguirem alinhar esses elementos – estratégia, pessoas, tecnologia e incentivos – estarão em posição muito mais forte para atrair, desenvolver e reter os melhores profissionais nos próximos anos.

Fontes:

https://accountinginsights.org/modern-law-firm-partner-compensation-models-and-trends/

https://www.bcgsearch.com/article/900046292/Trends-in-Law-Firm-Partner-Compensation-Systems/

Law Firm Partner Compensation: Proven Models for Better Performance