Durante o Compliance Summit Brasil, Rodrigo Arrigoni, fundador da EtherCity, compartilhou os aprendizados da empresa ao longo de cinco anos de atuação no setor. Ele começou explicando a trajetória da companhia — uma empresa brasileira de base simples, mas com atuação global — que hoje atende desde o mercado audiovisual e de software até marcas de bens de consumo e celebridades.
Segundo o executivo, o cenário inicial era marcado pelo boom digital, quando a distribuição de bens digitais democratizou o acesso, mas abriu espaço para a ilegalidade. O foco das empresas era essencialmente tático: monitorar em massa redes sociais, marketplaces e mecanismos de busca, emitir notificações e tentar remover conteúdos ilegais. “O grande tema na época era conseguir fazer isso em larga escala”, lembrou.
Rodrigo relatou o primeiro grande caso da EtherCity: um cliente de software em um marketplace que enfrentava ciclos infindáveis de notificações e contra-notificações. A solução foi desenvolver algoritmos simples de texto e imagem, capazes de processar milhares de respostas automáticas, muitas vezes absurdas, que permitiam o retorno das ofertas ilegais. O uso de aprendizado de máquina possibilitou contra-notificar de forma eficaz e alcançar 98% de eficiência na limpeza da plataforma.
Com o tempo, a EtherCity percebeu que o desafio ia além da remoção. A escalabilidade exigia rastreabilidade completa de cada objeto: “Era preciso reconstruir a linha do tempo de cada item, com logs e trilhas de auditoria”, explicou. Assim, a empresa evoluiu para uma metodologia de orquestração de processos complexos, hoje adotada em dez países e em expansão para outros cinco.
Rodrigo destacou ainda a mudança do perfil da pirataria digital. Se antes eram iniciativas amadoras, hoje há grandes organizações criminosas faturando centenas de milhões de dólares por ano com anúncios, assinaturas e dispositivos ilegais, como as conhecidas “caixinhas” de IPTV. No Brasil, o prejuízo estimado pela pirataria chegou a R$ 500 bilhões em 2023.
Nesse contexto, os principais desafios do enforcement passam por:
- Controle operacional: lidar com volumes massivos de notificações em equipes enxutas;
- Gestão processual: diferentes fluxos e regras para cada plataforma e país;
- Eficiência e métricas: definição de IPIs que meçam resultados concretos;
- Compliance regulatório: adaptação às legislações de privacidade e telecomunicações em diferentes jurisdições;
- Rastreabilidade e auditoria: manutenção de trilhas claras em bloqueios, takedowns e análise de malwares;
- Gestão de risco: prevenção de overblocking, como nos casos registrados na Europa, em que bloqueios extensivos impactaram até serviços legítimos.
Rodrigo frisou que a ferramenta da Ether_City foi desenvolvida sobre três pilares sistêmicos — qualidade operacional, integração informacional e integração processual — que permitem personalizar fluxos conforme cada jurisdição e autoridade.
“Optamos sempre pela simplicidade: usamos machine learning para reduzir a complexidade dos processos, não para tomar decisões opacas. O objetivo é escalar com transparência e modularidade, integrando o hábito dos usuários e das autoridades já existentes ao sistema”, destacou.
Um exemplo prático é o caso brasileiro da ferramenta de gestão de bloqueio de IPs e domínios, que envolve laboratórios terceirizados, associações de classe, autoridades regulatórias e operadoras de telecomunicação. A orquestração digital substituiu processos antes dispersos em e-mails e planilhas, garantindo evidências robustas contra sites ilegais — como o conhecido Futemarx, que multiplica domínios espelho a cada bloqueio. Nesse cenário, o uso de machine learning ajuda a filtrar dezenas de milhares de sites detectados semanalmente, priorizando aqueles que devem ser verificados manualmente pelos laboratórios.
“O enforcement precisa integrar compliance no coração do fluxo operacional. Não basta apenas remover conteúdo — é necessário garantir transparência, auditabilidade e relatórios úteis não só para equipes de enforcement, mas também para áreas de marketing, comercial e governança”, afirmou Rodrigo.
Ele concluiu destacando que o papel do enforcement hoje vai além da reação: “Nosso desafio não é só apagar incêndios, mas construir sistemas que reduzam de fato a rentabilidade da atividade ilegal. É transformar notificações em feedback para todo o ecossistema.”