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Gestão de Canal de Denúncias: Tecnologias, Inovações e Tendências

O painel destacou que, embora a inteligência artificial otimize fluxos e traga eficiência às investigações, os canais de denúncia seguem exigindo proximidade e acolhimento humano para lidar com temas sensíveis como assédio, bullying e discriminação

O quarto painel do Compliance Summit Brasil debateu os avanços, dilemas e perspectivas sobre a gestão de canais de denúncia, considerados hoje a principal porta de entrada de informações dentro das organizações. A moderação ficou a cargo de Filipe Batich, sócio do Madrona Advogados, com a participação de Ana Miriam Fukui Dias (Novo Nordisk Brasil), Carolina Carvalho (Cargill) e Giovanna Meneghetti (Motiva).

Batich destacou a transformação do cenário: se antes os canais internos eram voltados a temas como corrupção, fraude e lavagem de dinheiro, hoje as empresas contam com programas de integridade estruturados, terceirização especializada e o uso crescente de tecnologia e inteligência artificial. Isso ampliou o escopo das denúncias, que passaram a incluir questões relacionais, como assédio moral e sexual, racismo, bullying e até situações pessoais, exigindo um equilíbrio entre inovação e contato humano.

As executivas ressaltaram que, embora as plataformas ofereçam eficiência e acessibilidade — com disponibilidade 24h, multilinguismo e ferramentas de análise — a confiança do usuário depende da pessoalidade.

“Os colaboradores queriam ter certeza de que não estavam apenas conversando com uma máquina. Produzimos vídeos mostrando quem realmente lê os relatos, reforçando que há um olhar humano por trás da tecnologia”, contou Ana Miriam Fukui Dias, da Novo Nordisk.

Ela acrescentou que, em casos mais sensíveis, como assédio, os relatos são tratados pessoalmente e muitas vezes com o apoio do RH, que precisou ser treinado para lidar com o aumento no volume de denúncias. Embora a companhia utilize IA para apoiar investigações — com resumos automáticos das alegações e possíveis direcionamentos —, a executiva reforçou que “a pessoalidade continua sendo essencial para a credibilidade do canal”.

Carolina Carvalho compartilhou prática semelhante na Cargill, com apresentações do fluxo de apuração e fotos das equipes globais, o que aumentou a confiança interna. Ela explicou ainda como a empresa tem utilizado inteligência artificial em escala mundial:

“Temos agentes que atuam desde a triagem até a elaboração de relatórios padronizados. Isso economiza tempo, garante consistência e nos permite analisar tendências globais com mais clareza”, destacou Carolina Carvalho, da Cargill.

Segundo ela, a empresa já estuda avançar para agentes capazes de apoiar análises de causa-raiz em casos sistêmicos ou graves. “A IA não vai chegar ao todo, mas pode nos ajudar no primeiro draft. Queremos ampliar o uso para que essa análise deixe de ser exceção e se torne prática mais frequente.”

Apesar dos avanços, Carolina ressaltou que o elemento humano continua indispensável: “Tudo precisa ser revisado por pessoas que entendem do tema, para que possamos entregar resultados corretos e contextualizados.”

Já Giovanna Menenghetti ressaltou a importância de dar visibilidade ao pós-denúncia, explicando que os casos são encaminhados de forma protegida e anônima a comitês de ética. A executiva revelou que a Motiva recebeu mais de 2.200 relatos em um ano e precisou estruturar uma equipe dedicada, apoiada por consultorias externas.

“Recebemos uma média de 200 denúncias por mês. Para lidar com esse volume, desenvolvemos agentes de IA para automatizar etapas operacionais, como relatórios e entrevistas, o que nos permite dedicar mais tempo ao acolhimento humano e à análise crítica”, afirmou Giovanna Menenghetti, da Motiva.

Ela também destacou um desafio em ascensão: o uso indevido dos canais de denúncia para perseguição, como casos de stalking. “É um problema crescente, e estamos buscando formas de padronizar respostas e mitigar riscos de denúncias de má-fé.”

No fechamento, Batich deixou uma provocação: será que a inteligência artificial poderia, no futuro, substituir o elemento humano nos canais de denúncia?

“Olha, vai ter que ser uma IA bem especial. Quando tratamos de assédio ou bullying, é no contato humano que surgem nuances importantes da investigação”, afirmou Ana Miriam.

“Não acredito em 100% de substituição. Se precisamos de pessoas para trabalhar em uma empresa, precisamos de pessoas investigando”, completou Carolina.

“Enquanto a gente puder, não será substituído. O acolhimento humano é essencial, até para esperar o denunciante terminar de chorar antes de contar sua história. A IA deve nos apoiar, mas não substituir”, disse Giovanna.

O consenso final foi claro: a inteligência artificial é uma ferramenta estratégica para dar escala, consistência e agilidade às investigações, mas não substitui o acolhimento humano, indispensável para garantir confiança, empatia e efetividade no tratamento das denúncias.