Negócios & Transações

'A diligência é um passo crítico nos processos de M&A'

O artigo de abertura do capítulo de Due Diligence no Brazil's Best Counsel tem autoria dos sócios da EY, Hamilton Junqueira e Patrick Seixas

A venda ou compra de uma empresa requer preparação e planejamento para garantir que o Vendedor maximize o valor de saída, enquanto o Comprador tenha informações suficientes sobre os riscos/oportunidades associados para tomada de decisão. Nesse contexto, a diligência é um passo crítico nos processos de M&A, visando identificar fatores que podem impactar positiva/negativamente a viabilidade de uma transação.

A diligência envolve a coleta de informações sobre uma empresa, linha de negócios ou seus ativos para revisão e análise, com foco na identificação de questões-chave, riscos e oportunidades relacionadas à empresa/ativos. As análises de uma diligência fornecem elementos para a tomada de decisões de investimento e para definir os termos e condições para a elaboração do SPA e na estruturação da transação.

Uma diligência pode ser contratada pelo investidor/comprador (“buy-side”) ou pelo vendedor (“sell-side”). É importante notar que, no Brasil, não é comum que os vendedores realizem uma diligência do lado da venda antes que o potencial investidor inicie a diligência do lado da compra. Isso muitas vezes leva os vendedores a serem surpreendidos por questões identificadas pelos consultores dos investidores, resultando em expectativas diferentes em relação à diluição do preço, o que pode levar à interrupção das negociações.

Os processos de M&A geralmente envolvem: (a) assinatura de um acordo de confidencialidade (NDA); (b) assinatura de uma Carta de Intenção (LOI); (c) realização da diligência; (d) assinatura do Contrato de Compra; e (e) fechamento da transação.

Uma diligência típica pode se concentrar não apenas em aspectos financeiros e tributários/trabalhistas, mas também em aspectos ambientais, comerciais, operacionais, tecnológicos, de conformidade, legais e outros relevantes para uma transação.

Diligência Contábil/Financeira: As principais análises e pontos de atenção incluem a personalização das análises (QofE, WC, dívida líquida, etc.) de acordo com o tipo/estrutura da transação. O objetivo da diligência contábil/financeira é identificar potenciais distorções nas demonstrações financeiras que podem levar a ajustes de preço ou mudanças na modelagem dos resultados futuros estimados do comprador e/ou vendedor. Esses ajustes geralmente surgem da não conformidade com as normas contábeis ou da normalização das demonstrações ao ajustar fatores temporários.

Ao contrário das auditorias, a diligência contábil/financeira não possui um guia de requisitos mínimos e não fornece a nenhuma das partes uma opinião sobre as demonstrações financeiras. O propósito da diligência é identificar questões não consideradas nas negociações de preço de compra e reconhecer essas questões em uma demonstração financeira pro-forma. Essa demonstração financeira pro-forma é preparada com base em princípios contábeis geralmente aceitos, mas não são uma opinião, uma vez que essas informações podem conter suposições para estimativas usadas exclusivamente para a transação.

A precificação de uma empresa pode variar com base no segmento, situação do mercado e, em certos casos, normas regulatórias. O método de precificação é a base para o escopo da diligência. No mercado brasileiro, o método de precificação mais comum é o múltiplo de EBITDA, que estima o retorno sobre o investimento ao longo do tempo.

Assim, o escopo da diligência se concentra na identificação de itens potenciais que podem impactar o cálculo do EBITDA, com base em uma análise detalhada das demonstrações de resultados.

Outro tópico importante de negociação é a dívida da empresa, que geralmente é deduzida do preço de compra. A diligência se concentra em identificar claramente as dívidas e itens semelhantes a dívidas, como fornecedores em atraso e impostos, parcelamentos tributários, etc., sob a suposição de que esses itens são financiados por terceiros e, consequentemente, devem ser deduzidos do preço de compra.

Em certas transações em setores intensivos em caixa, as análises de diligência também incluem a verificação e determinação do capital de giro ajustado para o período de diligência, permitindo que as partes negociem um valor mínimo em caixa no fechamento. Essa negociação visa evitar a necessidade de contribuições de capital ou financiamento de terceiros imediatamente após a entrada do investidor devido à falta de caixa.

A diligência é geralmente realizada em duas fases: (i) para determinar o preço de compra, geralmente realizada antes do fechamento; e (ii) no fechamento para calcular ajustes de preço de compra. Como o tempo entre a diligência e o fechamento da transação geralmente é de três a seis meses, as partes frequentemente negociam um ajuste de preço de compra na data de fechamento. A segunda fase é geralmente mais rápida e definida no contrato de compra. Em casos que exigem aprovação regulatória, uma cláusula específica é frequentemente incluída no contrato de compra, afirmando que uma nova diligência só será realizada após tal aprovação.

Como mencionado anteriormente, o escopo da diligência pode considerar todas ou certas das variáveis descritas acima, mas sempre com base na precificação da transação e ainda sujeito a limitações devido à confidencialidade ou falta de controles internos para a preparação. Nesse cenário, a diligência também visa identificar o melhor método de estimativa para a determinação do preço e potenciais impactos na transação.

Diligência Tributária e Trabalhista

O escopo da diligência tributária e trabalhista envolve a análise dos procedimentos historicamente adotados pela empresa, com foco na identificação de riscos tributários e trabalhistas, além da identificação de potenciais oportunidades também.

Dadas as regras de sucessão tributária e trabalhista na legislação brasileira e a complexidade das normas tributárias brasileiras, os riscos tributários e trabalhistas pelos quais o Comprador pode ser responsabilizado não devem ser negligenciados ao tomar decisões de investimento. Portanto, a realização de diligência tributária/trabalhista é crítica para que o Comprador entenda os riscos existentes e negocie mecanismos de proteção e garantias do Vendedor, formalizando e justificando a decisão de investimento a quaisquer órgãos de governança existentes. Além disso, ajustes tributários e trabalhistas também podem gerar potenciais ajustes no EBITDA, que podem impactar diretamente a avaliação da empresa.

De acordo com a legislação brasileira, o escopo da sucessão tributária se aplica mesmo em casos de compras de ativos ou unidades de negócios, significando que mesmo que a transação não envolva participação acionária, o Comprador ainda pode ser responsável por passivos anteriores relacionados à empresa/ativos adquiridos.

No Brasil, essas análises são tipicamente realizadas de forma colaborativa: as firmas de auditoria se concentram em identificar riscos não materializados (riscos ainda não identificados pelas autoridades competentes e/ou não sujeitos a discussão administrativa ou judicial), enquanto os escritórios de advocacia analisam tais riscos já materializados na diligência legal.

É fundamental capturar as sinergias entre os resultados das análises realizadas na diligência tributária e trabalhista e na diligência contábil/financeira. Identificar riscos (tributários, trabalhistas, etc.) é importante não apenas para que o Comprador entenda os potenciais passivos associados às posições adotadas pela empresa-alvo, mas também avaliar o impacto que a normalização dessas posições teria na lucratividade e na capacidade de geração de caixa.

É importante reconhecer que o processo de diligência requer um esforço significativo da gestão da empresa que está sendo diligenciada. Fornecer documentos e esclarecer dúvidas decorrentes das análises, combinado com o fato de que, na maioria dos casos, um número limitado de pessoas está envolvido em atender às demandas de diligência devido à confidencialidade e sensibilidade do processo de M&A, pode levar a um estresse considerável.

Portanto, um planejamento cuidadoso (definindo protocolos de comunicação, identificando os responsáveis por cada área, sob a coordenação do proprietário do projeto) parece ser a melhor maneira de reduzir o estresse do processo de diligência.