Regulamentadas a partir de 20132 e supervisionadas pelo Banco Central do Brasil (BCB)3, as instituições de pagamento (IPs) integram o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), ainda que de forma mais restrita do que as instituições financeiras4, uma vez que se limitam à prestação de serviços de pagamento, conforme os respectivos arranjos e modalidades autorizadas5. Não estão autorizadas, por exemplo, a concessão de empréstimos, financiamentos ou, ainda, serviços de investimento.
Apesar do escopo limitado, o BCB aponta que o número de IPs autorizadas cresceu expressivamente entre 2017 e 2022, iniciando-se com 6 IPs e alcançando a máxima de 74 IPs. Complementarmente, a PwC e a ABIPAG indicam que essa tendência de expansão se mantém, com destaque para o aumento de IPs Emissoras de Moeda Eletrônica (gerenciamento de conta de pagamento do tipo pré-paga) – que cresceram 45% em 2021 e atingiram 60% em 2023 – e Iniciadoras de Transação de Pagamento (efetua pagamentos ou transferências sem utilizar cartão e sem acesso direto ao ambiente da instituição onde o cliente tem conta) – cujo crescimento de 5% de 2021 dobrou em 2022 e 2023.
Referida tendência pode ser explicada pela agilidade das transações, que elevam a experiência do usuário a partir de cadastro e operações simplificadas e pouco burocráticas – o que torna a IP uma alternativa eficiente às soluções bancárias tradicionais e atrai setores como o de apostas esportivas, que lida com um grande volume de transações em tempo real. Assim, o uso das IPs é um diferencial competitivo, em razão da rapidez e simplificação das operações de pagamentos.
Contudo, se ausentes ou insuficientes mecanismos de controle, a fluidez operacional das IPs pode criar um ambiente mais suscetível para movimentações financeiras pouco transparentes que, ao fim e ao cabo, podem implicar em riscos reputacionais e criminais, para além das sanções administrativas. Tais riscos se inserem em um ecossistema complexo, no qual autoridades competentes (BCB, COAF, Receita Federal, Secretaria de Prêmios e Apostas/MF etc.) e distintas ditam as regras e atuam conjuntamente no combate à lavagem de capitais e, mais recentemente, à exploração ilegal de jogos de apostas esportivas.
Apesar disso, e especialmente em fase inicial de operação, é possível que as IPs possuam estruturas mais enxutas e procedimentos menos rigorosos com relação a identificação de clientes, o que viabiliza sua utilização – ainda que de forma não intencional – para recebimento de valores maculados oriundos de golpes virtuais, exploração ilegal de jogos de apostas, a fraudes que demandem procedimentos de lavagem de dinheiro mais complexos.
A celeridade e a variedade de serviços financeiros oferecidos por essas fintechs podem ser exploradas como elementos facilitadores para inserção de capital de origem ilícita no mercado formal, com posterior remessa a outras contas bancárias ou mesmo contas em outras instituições de pagamentos, dificultando o rastreio e recuperação desses valores, bem como a identificação de seu beneficiário final.
Desse modo, ainda que devidamente constituídas perante o BCB e desenvolvendo suas atividades dentro dos limites de risco delimitados pelas autoridades competentes, ou ao menos aliados à praxe de mercado, as IPs ainda poderão ser utilizadas como meio de inserção de valores de origem ilícita no mercado formal, a elas cabendo identificar a natureza suspeita de dada transação e sua posterior comunicação ao COAF com demais subsídios que lhe deem suporte. De outra forma, há aquelas instituições de pagamentos atrativas para organizações criminosas por conta da baixa densidade dos mecanismos de controle, que refletem o descaso com a finalidade preventiva em face aos riscos inerentes a operações financeiras ilícitas.
No âmbito das apostas esportivas, a CPI das Bets analisou a questão em seu Relatório Final, abordando o modus operandi de IP investigada na Operação Integration que realizava movimentações financeiras no interesse de operadores não autorizados pela SPA/MF e possivelmente de organizações criminosas. Apesar de rejeitado, o Relatório jogou luz à necessidade de incremento na fiscalização e responsabilização dessas IPs que “atuando de modo consciente ou negligente, dão curso a transações para operadores não autorizados ou que falham na implementação de controles robustos de PLD/FTP”.
Consoante essas preocupações, a SPA/MF editou a Portaria n.º 566/2025 que, apesar de incipiente, impõe às IPs as obrigações de identificar (art. 4º) e comunicar à SPA/MF (art. 5º) eventuais operações que denotem a atuação de pessoas físicas ou jurídicas na exploração ilegal de jogos de apostas. Obrigações essas que, conforme o art. 11 da referida Portaria, não se confundem com as normas de PLD.
Isto é, além de preocupações convencionais com relação à prevenção de lavagem, as IPs deverão atualizar suas políticas internas para que passem a identificar, igualmente, suspeitas de operação ilegal de apostas. Seguindo o modelo de prevenção baseado no risco (risk- based approach), a Portaria delimita obrigações que, ao fim e ao cabo, serão complementadas pelas políticas internas elaboradas pelas próprias IPs, a quem compete identificar e classificar os riscos inerentes à sua operação, bem como desenvolver políticas voltadas à minimização destes riscos.
Considerando que um sistema eficiente de prevenção à lavagem de dinheiro é condição para outorga de autorização pela SPA/MF, os esforços empreendidos pelas IPs devem focar, sobretudo, no aprimoramento dos mecanismos de checagem já existentes.
Assim, a checagem da existência prévia da referida autorização é fundamental, pois operações realizadas fora desse espectro implicam em exploração ilegal de jogos e, logo, infração administrativa punível pela SPA/MF, além da exposição a risco criminal de lavagem de capitais ilícitos. As IPs, portanto, devem exigir das operadoras a autorização concedida pela SPA/MF, bem como as suas políticas internas, como etapa prévia ao início da prestação de serviços para as operadoras.
Em linhas gerais, tal análise compreenderá: (i) a checagem da autenticidade da autorização (medida preventiva contra eventual tentativa de emprego de fraude para acessar os serviços das IPs); (ii) os seus termos (modalidade de apostas, validade da autorização e segmento da pessoa jurídica) e; sobretudo, (iii) a estrutura de funcionamento das operadoras e seus produtos oferecidos. Com isso, as IPs criam um espectro de previsibilidade e viabilizam a decisão de realizar ou não as operações de pagamento, bem como criam e adotam camadas de proteção adicionais visando o dever de comunicação à SPA/MF – o que pode incluir a criação de categorias internas de riscos para classificar os operadores e definir como a checagem contínua será conduzida pelas IPs, sob a perspectiva da pluralidade de modelos de negócios dos operadores.
Superada a verificação de conformidade inicial e considerando o caráter discricionário da autorização para exploração das apostas – o que significa que a SPA/MF pode revisar a outorga a qualquer tempo mediante procedimento administrativo – é necessária a manutenção de um processo de checagem contínua para fins de prevenção a riscos reputacionais, criminais e administrativos.
Sob essa perspectiva, as IPs devem adotar uma rotina de acompanhamento dos clientes operadores, a partir de checagens periódicas por meio de consultas a fontes públicas de informação, focando em coletar eventuais notícias a respeito de investigações (criminais e administrativas) em curso. Tais informações são relevantes na medida em que permitem a identificação de indícios de condutas ilícitas perpetradas sob a égide das autorizações concedidas pela SPA/MF e que, sobretudo, façam uso dos serviços prestados pelas IPs.
Desse modo, o novo dever de comunicação para a SPA/MF concretiza a relevância das IPs na captação e comunicação de operações suspeitas enquanto gatekeepers, isto é, sujeitos que, em razão da posição privilegiada que ocupam no fluxo financeiro, possuem melhores condições para identificação de operações suspeitas e, como decorrência, são imbuídos de deveres de contribuição nas atividades de vigilância típicas do poder público.
A implementação de um sistema de checagens robusto e apto a identificar hipóteses que comportem o dever de reporte por parte das IPs terá o condão não apenas de contribuir para o fortalecimento e amadurecimento das medidas de combate às operações ilegais por parte da SPA/MF, como também para o aprimoramento do ecossistema complexo ao qual as IPs estão submetidas.
2 Lei nº 12.865/2013.
3 Cf. art. 9º, caput e incisos, da Lei nº 12.865/2013
4 Cf. art. 6º, § 2º, Lei nº 12.865/2013.
5 Art. 3º, da Resolução BCB nº 80 de 25.03.21.