Em um ambiente de negócios cada vez mais dinâmico e complexo, onde as relações contratuais envolvem múltiplos stakeholders e variáveis, a gestão preventiva de contratos desempenha um papel crucial na garantia do cumprimento das obrigações e na minimização de disputas. Diferentemente da abordagem reativa, que trata problemas apenas após sua ocorrência, a gestão preventiva adota uma postura proativa, identificando vulnerabilidades potenciais, fortalecendo mecanismos contratuais e garantindo o alinhamento das partes envolvidas desde a concepção até a execução do contrato.
Essa abordagem transcende as práticas tradicionais de gestão contratual, integrando disciplinas como análise de risco, governança corporativa, conformidade regulatória e planejamento estratégico. A eficácia dessa gestão se ancora em princípios fundamentais, que orientam sua aplicação prática.
Antecipação de Riscos: A identificação e avaliação de riscos potenciais desde a elaboração do contrato são determinantes para o mapeamento de conflitos potenciais. Isso inclui a análise de cláusulas sensíveis, previsão de cenários de não conformidade e avaliação do impacto de fatores externos, como mudanças legislativas.
Clareza e Precisão: A elaboração de contratos claros, objetivos e com linguagem juridicamente robusta é essencial para evitar ambiguidades que possam gerar disputas. Definições detalhadas de responsabilidades, cronogramas e critérios de desempenho minimizam incertezas.
Monitoramento Contínuo: A supervisão constante do desempenho contratual permite a detecção precoce de desvios, possibilitando ajustes rápidos. Ferramentas de gestão contribuem para o rastreamento de marcos, prazos e entregas.
Comunicação Eficiente: Manter um canal de comunicação aberto e transparente entre as partes é essencial para o alinhamento de expectativas e a resolução colaborativa de problemas emergentes.
Flexibilidade e Adaptabilidade: Em um mundo em constante mudança, contratos devem permitir ajustes diante de imprevistos sem comprometer o equilíbrio entre as partes.
O Ambiente Complexo de Disputas em Grandes Projetos da Construção Pesada
A execução de uma obra por empreitada é um empreendimento econômico que deve gerar lucro para o empreiteiro e garantir a entrega do empreendimento para o Cliente. Os parâmetros de lucratividade são estabelecidos contratualmente e mantidos por meio do equilíbrio econômico-financeiro. O correto avanço do empreendimento está condicionado à existência de uma abordagem tridimensional da gestão contratual, que engloba:
Ordem Física – Área Liberada: Disponibilidade das áreas em condições adequadas para a instalação da estrutura necessária para execução dos serviços.
Ordem Técnica – Projetos Disponíveis: Disponibilidade dos projetos técnicos necessários para a execução da obra.
Ordem Econômica – Preços e Quantidades em Contrato: Definição clara dos custos e parâmetros contratuais estabelecidos.
A ausência ou deficiência em qualquer um destes elementos fatalmente implicará em impactos diretos na execução da obra, podendo resultar em conflitos, que na indústria da construção movimentam bilhões de dólares anualmente. Segundo um estudo da Arcadis, em 2021, os conflitos nesse setor tiveram um valor médio de US$ 52,6 milhões e levaram cerca de 15,4 meses para serem resolvidos. No Brasil, esse tempo é ainda maior, atingindo 31 meses no Poder Judiciário (Janone, 2022). A HKA aponta que 74% dos conflitos são decorrentes de falhas de projeto, custos e problemas de gerenciamento.
O gerenciamento tradicional de contratos é, muitas vezes, insuficiente, e não consegue impedir a ocorrência destes conflitos. A falta de monitoramento contínuo e de mecanismos preventivos expõe as partes a riscos financeiros, atrasos e possíveis danos à reputação. Nesse contexto, a gestão preventiva emerge como uma solução estruturada para reduzir perdas e garantir a eficiência contratual.
Estudo de Caso: Eficiência da Gestão Preventiva na Prevenção de Disputas
Para avaliar a eficácia da gestão contratual preventiva, realizou-se um levantamento[1] sobre uma amostra de 70 contratos de projetos no setor de mineração, totalizando aproximadamente R$ 6,7 bilhões (US$ 1,11 bilhão). O estudo focou nos danos financeiros, conhecidos como “Claims”, incorridos em cada contrato. Foram revisados documentos, correspondências e valores reportados para estimar os impactos financeiros.
Os valores dos danos foram relacionados aos respectivos contratos, utilizando como referência o valor total do projeto. A relação dano/valor total do contrato permitiu padronizar a análise e comparar diferentes projetos.
Os resultados demonstraram que, no “Grupo 1”, composto por 48 projetos com Gestão de Contratos Preventiva, a taxa média de danos foi de 4,14%. Em contraste, o “Grupo 2”, com 22 projetos sem essa prática, apresentou uma taxa média de danos de 38,28%. Apesar de o Grupo 1 incluir um maior número de projetos, os danos nos contratos sem gestão preventiva foram aproximadamente R$ 344 milhões (US$ 57 milhões) superiores, evidenciando a relevância dessa abordagem.
A gestão preventiva de contratos é um instrumento essencial para garantir eficiência, previsibilidade e segurança jurídica em ambientes empresariais complexos. A adoção de princípios preventivos reduz riscos, melhora a comunicação e promove uma execução contratual mais eficaz. Os dados do setor de mineração reforçam que essa abordagem não apenas mitiga disputas, mas também gera impacto financeiro positivo substancial.
Diante da crescente complexidade das relações contratuais, empresas que adotam a gestão preventiva estão mais preparadas para enfrentar desafios, assegurando conformidade regulatória e maximizando o sucesso de seus projetos.
O Uso da Documentação Preventiva em Disputas
A gestão preventiva de contratos não apenas tem potencial de evitar litígios, mas em caso de eventuais disputas, a posição das partes que realizaram atividades da gestão preventiva tem potencial de acelerar as resoluções. A documentação gerada ao longo da execução contratual – incluindo RDOs, e-mails, correspondências, relatórios, procedimentos e demais documentos – serve como um instrumento essencial para embasar defesas e sustentar eventuais pedidos. Por outro lado, a falta de documentação estruturada pode gerar um déficit de credibilidade em disputas, tornando a gestão documental um diferencial competitivo para as partes envolvidas.
A gestão preventiva de contratos é um instrumento essencial para garantir eficiência, previsibilidade e segurança jurídica em ambientes empresariais complexos. A adoção de princípios preventivos reduz riscos, melhora a comunicação e promove uma execução contratual mais eficaz.
Em síntese, além de reduzir o potencial de disputas, em caso de eventuais litígios, a gestão contratual preventiva das partes garante maior qualidade e credibilidade das análises técnicas de engenharia, permitindo que assistentes técnicos e peritos se concentrem nos aspectos técnicos pertinentes e com maior rastreabilidade documental, permitindo conclusões fundamentadas e conclusivas, deixando claras as premissas e metodologias adotadas.
[1] Martins, A. C., Soares, D. M., Silva, E. R., Santos, E. B., Dutra, F. E., & Almeida Júnior, J. A. de. (2024). The Rationality of Cooperation and Prevention in Contract Management: Reducing Conflicts in Heavy Construction and Electromechanical Assembly in Brazil Through the Application of the Causal Mark Theory. Paper to be presented at IACM, Singapore.