A gestão estratégica de conflitos é instrumento necessário para enfrentar novos desafios do contencioso bancário a fim de reduzir o passivo jurídico e organizar soluções mais eficientes para as disputas em curso que reduzam os impactos nas corporações. Inovações tecnológicas, atividade regulatória, mudanças legais são circunstâncias que exemplificam repercussões na indústria bancária. O contencioso administrativo e judicial é aperfeiçoado continuamente de maneira a enfrentar esses desafios.
Tecnologia digital emergente e riscos cibernéticos associados[1], reivindicações de privacidade e proteção de dados resultantes do processamento de dados de Inteligência Artificial (IA)[2], conflitos relacionados a fraudes cibernéticas e crédito digital[3], roubo de identidade e identidade sintética[4]. Governança corporativa, segurança cibernética, resiliência operacional digital, detectação e monitoramento de fraudes são espaços alcançados por essas tendências e pela necessidade de sinergia entre players, departamentos jurídicos e escritórios de advocacia.
A relação entre tecnologia e indústria bancária influencia o contencioso. Fraudes de identidade, nos Estados Unidos, causaram, em 2023, perdas de aproximadamente U$ 23 bilhões[5]. Na Índia é crescente a disponibilização de aplicativos utilizados para realização de fraudes em empréstimos[6]. Fraudes envolvendo dispositivos móveis aumentaram de 47% em 2022 para 61% em 2023[7].
A utilização de versão deepfake de gerente sênior, na Inglaterra, durante videoconferência resultou em transferência de U$ 25 milhões. Estima-se, inclusive, que perdas financeiras causadas por fraudes com IA possam alcançar U$ 40 bilhões nos Estados Unidos até 2027, comparado a U$ 12,3 bilhões em 2023[8].
Decentralized finance (DeFi), open banking, finternet, robotic process automation, bank as a platform (BaaP), plataformas de tokenização, real-time payments (RTP), embedded finance, stablecoins, entre outras, são tendências que aceleram o ecossistema de Fintechs. Esse mercado é calculado em U$ 356 bilhões, concentrado na América do Norte e com crescimento mais acentuado na região Ásia-Pacífico. A expectativa para o setor é que o mercado alcance, em 2030, receitas equivalentes a U$ 686 bilhões[17].
O crescimento é acompanhado pela intensificação da atividade regulatória. Digital Operational Resilience Act (DORA) exemplifica essa tendência. Norma de segurança em TIC, elaborada, na União Europeia, a partir de uma abordagem baseada no risco, para ajustar-se à natureza e complexidade das atividades financeiras desempenhadas pelos players do setor financeiro. A regulação adota os princípios gerais de encriptação, criptografia, segurança de operações, segurança de rede, gestão de projetos e mudanças e os impactos do risco na confidencialidade, integridade e disponibilidade de dados[18].
No Brasil, apesar da relevância dessas tendências para a indústria bancária, uma mudança legal recente tem o potencial de repercutir no contencioso judicial e administrativo desse setor econômico. A Medida Provisória nº 1292[19] é norma jurídica de caráter transitório, a qual facilita as condições de acesso ao crédito por empregados da iniciativa privada. Amplia, em síntese, o acesso a modalidade de empréstimo consignado. O empréstimo consignado é linha de crédito garantida por meio da consignação realizada na folha de pagamento ou benefício previdenciário do mutuário, ou seja, os descontos são realizados nos valores que o empregado, aposentado ou pensionista tem a receber da instituição pagadora.
O empréstimo consignado privado dependia da intermediação das empresas que funcionam, nesse contexto, enquanto instituições pagadoras. A mudança na lei eliminou a intermediação quando o Governo Federal brasileiro disponibilizou dados pessoais disponíveis no e-social (sistema de escrituração digital de obrigações legais). Além disso, o consignado privado aumentou as garantias da consignação ao incluir recursos do mutuário disponíveis no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (reserva financeira compulsória para empregados da iniciativa privada), desburocratizou a contratação da linha de crédito através da integração com o aplicativo da Carteira de Trabalho Digital e passou a agregar subsídios a análise de risco da indústria bancária.
Essa modificação legal possui amplo alcance. O Governo Federal brasileiro estima que no país 47 milhões de pessoas utilizam linhas de crédito com taxas de juros mais elevadas em comparação com o consignado privado. E que 19 milhões de empregados podem optar por essa modalidade de empréstimo gerando até R$ 120 bilhões em novas contratações em até quatro anos frente a R$ 40,4 bilhões em recursos de 4,4 milhões de operações atualmente contratadas[22].
No sistema de justiça brasileiro, os assuntos mais demandados na Justiça Estadual envolvem o contencioso bancário. Trata-se de reivindicações sobre obrigações e contratos (2.707.740 processos judiciais em 2023) e responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços (2.147.621 processos judiciais em 2023)[23]. O que explica a preponderância das instituições financeiras entre os grandes litigantes listados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que regula o funcionamento do Poder Judiciário no Brasil[24].
Entre os conflitos judicializados estão aqueles que envolvem empréstimo consignado. Em 2024, foram 665.224 processos judiciais novos. No mês de janeiro de 2025, o CNJ registrou 47.487 novos processos distribuídos acerca desse tema. Aproximadamente 2.064 novos processos por dia útil nesse período. Esses resultados mostram a relevância que o empréstimo consignado possui no contencioso bancário e o seu impacto para esse setor econômico.
O nível de endividamento das famílias brasileiras é outro indicador que reforça essa conclusão, seja pelo percentual total que em fevereiro de 2025 correspondeu a 76,4%, seja porque o percentual de crédito consignado (5,3%) ainda é metade do percentual de crédito pessoal (10,5%) no mesmo período[28].
O alcance do consignado privado e a frequência com a qual as pessoas buscam o sistema de justiça para tentar solucionar conflitos envolvendo os vários tipos de empréstimos consignados mostra o impacto que essa mudança legal pode causar no contencioso bancário e, por consequência, a sua relevância.
A tecnologia é outro fator que reforça essa tendência, pois o design do consignado privado permite combinar a disponibilidade de dados com a IA e outras tecnologias, a exemplo de outros produtos que diversificam o portfólio e aumentam a assertividade na oferta de serviços e produtos para ampliar a competitividade da indústria bancária.
Essas tendências implicam em novas formas de interação entre bancos e seus clientes, cenário que remete a sinergia entre players, departamentos jurídicos e escritórios de advocacia voltada a gestão estratégica de conflitos.
[3] Identity Theft and Credit Card Fraud Statistics for 2025
[4] Banking fraud cases grow to 13,530 in FY23, amount halved to Rs 30,252 cr. 2023
[5] 2024 Identity Fraud Study: Resolving the Shattered Identity Crisis
[6] Predatory loan apps in India driving some users to suicide
[7] Fintech 2025+ and the transformation of global commerce
[8] Deepfake fraud directed at banks on the rise – The Banker
[18] Digital Operational Resilience Act (DORA)
[22] Governo Federal cria o crédito do trabalhador, linha de empréstimos com juros mais baixos
[24] Estatísticas do Poder Judiciário
[28] Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor – fevereiro de 2025